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O mundo é mais complicado do que sugere a fantasia populista, que se refestela inventando inimigos. Agora, os culpados são os mercados e a voracidade dos rentistas.
Aparentemente, muitos têm dificuldade de aceitar que o mercado não é um sindicato organizado com o qual se negocia. Trata-se de um amálgama de inúmeros gestores descoordenados, que decidem seus investimentos tendo em vista o que se espera que vá acontecer na economia.
Se a expectativa é de baixa inflação e de maior crescimento econômico, esses gestores ampliam os seus investimentos no Brasil.
O resultado é a valorização da nossa taxa de câmbio e a queda das taxas de juros, permitindo às empresas brasileiras obter recursos mais baratos para financiar a expansão dos seus negócios.
O inverso ocorre em caso de expectativas pessimistas sobre o desempenho da economia, como acontece neste começo de governo. Se há risco de inflação mais alta e de desaceleração da atividade econômica, as pessoas ficam mais cautelosas para investir no Brasil, o que implica desvalorização da taxa de câmbio e aumento das taxas de juros.
A cada nova informação sobre a política pública e o possível desempenho da nossa economia, as decisões de investimento são ajustadas, levando a alterações nos preços de mercado. Esse é um processo descentralizado, mas com movimentos de manada: quem reage tardiamente às informações enfrenta maiores perdas.
Em um país com frequentes mudanças nas regras do jogo, como é o caso do Brasil, muitos preferem aplicar parte relevante dos seus recursos em títulos com liquidez, aqueles que podem ser vendidos e comprados rapidamente quando as circunstâncias se alteram.
No caso do Brasil, o governo federal tem uma dívida pública elevada, que deve ser refinanciada frequentemente, garantindo a sua liquidez.
Os principais compradores dessa dívida são fundos de pensão e de Previdência, mais de 47% do total. Eles administram a poupança de boa parte dos trabalhadores do setor privado e de empresas estatais (a Previ, que gere a poupança dos funcionários do Banco do Brasil, é uma das maiores administradoras de fundos do país, assim como a Funcef, que cuida da poupança dos trabalhadores da Caixa Econômica Federal).
Os bancos, por sua vez, compram cerca de 29% dos títulos da dívida pública. Esses recursos, em sua expressiva maioria, pertencem aos seus depositantes, não aos banqueiros.
Vale lembrar o que aconteceu no Plano Collor, quando foi suspenso o pagamento da dívida pública. Não foram os bancos que perderam, mas, sim, os depositantes das contas remuneradas, cujos recursos eram aplicados em títulos públicos para protegê-los da inflação elevada.
Esse é o fato inconveniente. O mercado financeiro é composto de muitos gestores que administram a poupança das famílias. Trata-se de um mercado competitivo. Quem tem pior rentabilidade perde clientes. E os clientes somos todos nós que temos depósitos nos bancos, fundos de investimento ou previdência privada para garantir nossa aposentadoria.
A inflação anda a se reduzir no Brasil, o que deveria induzir uma queda das taxas de juros. Entretanto, o aumento dos gastos públicos previsto no Orçamento, inflado pela PEC da Transição, pode inverter essa tendência. Sem um freio de arrumação, a consequência será um maior endividamento do setor público em condições adversas.
A política de expandir os gastos públicos é bem-vinda em países com deflação, estagnação e dívida pública sustentável. Não é esse, contudo, o nosso caso. O Brasil tem uma dívida elevada para um país emergente, e o nosso crescimento recente tem resultado em mais empregos e em maiores salários.
Nesse cenário, aumentar os gastos públicos significa combustível para o aumento da inflação. O resultado é o aumento das taxas de juros de mercado para encontrar compradores de uma dívida pública crescente.
Quando os problemas aparecem, melhor encontrar um bode expiatório.
Muitos atribuíram o aumento das taxas de juros ao “nervosismo” dos mercados, tendo em vista que o governo mal começou. Alguns falaram em “especulação”, como se fosse o resultado de ações coordenadas.
Outros declaram que as taxas de juro “estão fora de propósito”, mas atribuem a culpa às medidas aprovadas pelo último governo que aumentaram o desequilíbrio das contas públicas.
A opção parece ser quebrar o termômetro em vez de reconhecer os próprios erros.
A maioria do PT e dos seus aliados aprovou parte relevante das medidas legislativas dos últimos dois anos, que concederam desonerações tributárias ou que criaram novos gastos públicos para beneficiar grupos de interesse.
Seria viável expandir os gastos sociais com uma nova expansão fiscal bem menor do que o previsto pela PEC da Transição, mas, para isso, seria preciso rever diversas dessas desonerações e subsídios para os grupos de maior renda. Entretanto, o patrimonialismo, no Brasil, é ecumênico, contando com apoio de parte relevante dos partidos à direita e à esquerda.
Créditos: Folha de S. Paulo.