Foto: Adriano Abreu.
Um estudo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostrou que 487,8 mil pessoas (13,7% da população) sobreviviam na faixa da extrema pobreza, com uma renda per capita de até R$ 168 por mês, ou R$ 5,60 por dia, no Rio Grande do Norte em 2021. No comparativo com 2020, o Estado tinha 215,2 mil (6,1% da população) pessoas nesta condição, o que corresponde a um aumento de 126% na extrema pobreza de um ano para o outro. Em números absolutos, cerca de 272 mil pessoas se tornaram pobres extremos no período. O número de pessoas em extrema pobreza em 2021 é o maior desde 2012.
Na faixa da pobreza, em 2021, o RN tinha 1.538.352 pessoas neste grupo ou 43,2% da população. Em 2020 esta taxa era de 34,2%, o que correspondia a 1.206.918 pessoas. De um ano para o outro o aumento de pobres foi de 27,4%. Todos os números constam na “Síntese de Indicadores Sociais: Uma análise das condições de vida da população brasileira” e consideram as linhas de pobreza propostas pelo Banco Mundial, que adota como linha de extrema pobreza os rendimentos per capita US$ 1,90 PPC (Poder de Paridade de Compra), equivalentes a R$ 168 mensais per capita. Já a linha de pobreza é de US$ 5,50 PPC, ou R$ 486 mensais per capita. A informação é da Tribuna do Norte.
A série histórica apresentada pelo IBGE revela que a proporção de potiguares extremamente pobres em relação à população oscilou de 7,9% a 10,9% entre 2012 e 2019. Em 2020, no primeiro ano da pandemia, esse índice caiu para 6,1% e voltou a subir em 2021 quando atingiu o maior patamar em nove anos: 13,7%. O economista e professor universitário Cassiano Trovão diz que o cenário é preocupante e reflete a fragilidade social da população. Ele diz que a série histórica revela o impacto dos programas sociais de transferência de renda, sobretudo em 2020.
“A gente estava no meio da pandemia e o governo fez um programa emergencial de distribuição de renda expressivo, só que em 2021, nos três primeiros meses do ano o programa foi extinto. Então um programa que estava atendendo a mais de 60 milhões de brasileiros foi extinto durante três meses de 2021 e quando ele retorna pela necessidade, porque a pandemia não tinha acabado ainda, ele retorna com uma dimensão muito menor”, explica.
Além disso, outro elemento que ajuda a explicar o aumento da miséria é a não recuperação do mercado de trabalho, também em decorrência da crise da covid-19, avalia Cassiano Trovão. “A gente estava ainda num cenário em que achar emprego era muito difícil, o número de desempregados era muito elevado e o emprego que estava sendo gerado era de baixa qualificação, na informalidade. O Rio Grande do Norte tem quase metade da sua população ocupada na informalidade”, acrescenta Trovão, que também é doutor em Desenvolvimento Econômico.
Todas as grandes regiões do País registraram aumento da extrema pobreza, mas o crescimento foi mais intenso nas regiões Norte e no Nordeste do País, regiões que foram mais impactadas pelos programas emergenciais de transferência de renda em 2020 e que, portanto, tiveram queda mais acentuada deste indicador neste último ano.
Entre 2020 e 2021, por sua vez, a proporção de extremamente pobres passou de 8,5% para 12,5% na Região Norte e de 10,4% para 16,5% no Nordeste, variações superiores ao verificado para as demais regiões. Mesmo com os dados alarmantes, a proporção de extrema pobreza registrada no Rio Grande do Norte em 2021 (13,7%) é a segunda melhor do Nordeste, atrás apenas de Sergipe. “Apesar disso, o Estado não é um dos piores do Brasil. Isso denota a triste realidade do nosso País”, diz Damião de Souza, superintendente do IBGE no RN.
“O IBGE divulga as estatísticas oficiais e não faz juízo de valor sobre, por exemplo, o aumento da população de rua, mas de maneira geral os números se refletem nas ruas. O cidadão vê o aumento de pedintes, de pessoas em situação de mendicância, isso reflete bem a situação encontrada pelas pesquisas. Claro que existem outros fenômenos ligados a isso, como a desmobilização de empresas que tinham aqui no Estado e isso faz com que a gente tenha um impacto importante”, complementa Damião.
O crescimento da pobreza é mais flagrante na classe mais vulnerável aos impactos econômicos, explica o administrador e especialista em mercado financeiro Henrique Souza. “Foram pessoas que acabaram perdendo suas condições de estarem em habitações alugadas ou até mesmo habitações que não eram dignas, e foram levadas por situações de perda de emprego ou perda do acesso a um benefício do governo federal”, comenta.
“As situações de rua em que essas pessoas se encontram dão uma visibilidade muito maior da proporção de pessoas em extrema pobreza, mostrando uma situação de mendicância e de necessidade de auxílio de terceiros para sobreviver”, complementa Henrique Souza.
Famílias acampam em canteiros de Natal
No mês de dezembro é comum famílias ocuparem canteiros de avenidas movimentadas de Natal à espera da solidariedade de quem trafega pela região. Na avenida das Alagoas, no bairro Neópolis, zona Sul da capital, cerca de 10 barracas já estão montadas no canteiro central da via. Vinda de São Tomé, no Agreste potiguar, aos 75 anos, Romeiga Lessi se “mudou” para passar o último mês do ano no canteiro da Avenida das Alagoas em busca de doações de roupas e alimentos.
Retrato fiel da pobreza extrema no Rio Grande do Norte, a idosa diz que o acampamento improvisado no fim de ano já virou uma triste tradição. “Venho para cá desde quando tinha 20 anos. É uma dificuldade muito grande, já morei um ano aqui. Em São Tomé a situação é muito complicada e a gente aproveita esse tempo para vir aqui pedir ao pessoal. Comida é o principal para mim porque você come hoje e amanhã já tem que comer de novo. Aqui ainda é melhor que em São Tomé porque lá a comida é xique-xique e água é só com carro-pipa”, relata.
Laércio Carlos é outro que também veio de São Tomé. “A gente juntou um dinheiro e veio de transporte. A situação é difícil demais, meu sonho era trabalhar, nunca trabalhei de carteira assinada. Emprego está difícil, tudo caro, comida cara, a gente vem aqui numa medida de desespero para ver se consegue alguma coisa por aqui em Natal”, diz o homem.
Além dos moradores do interior do Estado há também famílias que vivem em Natal. Segundo levantamento prévio da Secretaria Municipal de Trabalho e Assistência Social (Semtas), 16 famílias residentes de Natal já foram identificadas. Em contato com a reportagem da TRIBUNA DO NORTE, a pasta informou que faz abordagem para encaminhar as famílias à rede socioassistencial e Sistema de Garantia de Direitos.
“Iniciamos em 23 de novembro o processo de identificação dessas famílias. De início, identificamos 11 famílias e atualmente identificamos o surgimento de mais 7 famílias, tendo sempre a tendência de aumentar no decorrer no mês. O perfil dos responsáveis familiares são catadores de material reciclável residentes (tem moradia) do bairro Lenigrado e Planalto e 02 famílias são do interior”, informou o órgão.
A Semtas comunicou também que todas as 16 famílias que moram em Natal já são acompanhadas pelos programas de assistência da Prefeitura. “Existe apenas um responsável familiar que já é aposentado. Eles têm casa, são famílias que estão na rua e não em situação de rua e vão neste período natalino, como também em outras datas comemorativas como Dia das Crianças e Semana Santa, se aglomerando em busca de receber doações”, enfatizou a pasta.
Pobreza atingiu patamar recorde no Brasil
Em 2021, considerando-se as linhas de pobreza propostas pelo Banco Mundial, cerca de 62,5 milhões de pessoas (ou 29,4% da população do país) estavam na pobreza. Entre estas, 17,9 milhões (ou 8,4% da população) estavam na extrema pobreza. Foram os maiores números e os maiores percentuais de ambos os grupos, desde o início da série, em 2012.
Além disso, entre 2020 e 2021 houve aumento recorde nestes dois grupos: o contingente abaixo da linha de pobreza cresceu 22,7% (ou mais 11,6 milhões de pessoas) e o das pessoas na extrema pobreza aumentou 48,2% (ou mais 5,8 milhões).
Em 2021, a proporção de crianças menores de 14 anos de idade abaixo da linha de pobreza chegou a 46,2%, o maior percentual da série, iniciada em 2012. Esta proporção tinha caído ao seu menor nível (38,6%) em 2020, mas teve alta recorde. A proporção de pretos e pardos abaixo da linha de pobreza (37,7%) é praticamente o dobro da proporção de brancos (18,6%). O percentual de jovens de 15 a 29 anos pobres (33,2%) é o triplo dos idosos (10,4%).
Ainda em 2021, cerca de 62,8% das pessoas que vivem em domicílios chefiados por mulheres sem cônjuge e com filhos menores de 14 anos estavam abaixo da linha de pobreza. No recorte regional, Nordeste (48,7%) e Norte (44,9%) tinham as maiores proporções de pessoas pobres na sua população. No Sudeste e também no Centro-Oeste, 20,6% (ou um em cada cinco habitantes) estavam abaixo da linha de pobreza. O menor percentual foi registrado no Sul: 14,2%.
Créditos: Tribuna do Norte.