Bola de neve: é essa a dinâmica das dívidas de quem está no rotativo do cartão de crédito. Os brasileiros que não conseguem quitar a fatura do cartão em dia estão pagando juros de 16% ao mês, o que equivale a 400% ao ano.
Os juros do rotativo do cartão (quando o cliente não paga o saldo da fatura em totalidade, e parte do valor é “empurrada” para o mês seguinte) bateram o maior valor desde 2017.
Naquele ano, quando as taxas do cartão chegaram a 500% ao ano, o Conselho Monetário Nacional, órgão responsável por normatizar o sistema financeiro, baixou uma regra que obrigava os bancos a oferecerem alternativas menos onerosas para os clientes que recorressem ao rotativo com frequência.
A norma dizia o seguinte: se o cliente não conseguisse pagar a fatura em atraso em até 30 dias após o vencimento, os bancos deveriam oferecer um parcelamento do saldo devedor no próprio cartão com juros menores. Esse parcelamento poderia ser mais longo, de 12 ou até 24 meses, a depender do volume da dívida.
A princípio, a regra funcionou. Os clientes que tinham o hábito de recorrer ao rotativo mensalmente foram migrados para outras linhas de crédito, e a inadimplência da modalidade teve um breve respiro – caiu de 40% para 33%, entre 2017 e 2018.
Os juros do rotativo do cartão também cederam, como era objetivo do CMN, e caíram de 500% ao ano no final de 2016 para 280% em meados de 2018. Parte do alívio se deu também porque a Selic, taxa que referencia o custo de captação de recurso dos bancos, caiu pela metade no mesmo período (de 13,75% para 6,5% ao ano).
Juros, inadimplência e cheque especial
Mas os números mais recentes mostram que o Brasil voltou muitas casas no caminho de criar um ambiente financeiro menos hostil para os consumidores. Os juros do rotativo do cartão “driblaram” a limitação imposta pelo CMN e voltaram ao mesmo patamar de 2017, ano em que a norma entrou em vigor.
“Os bancos retornaram para o cenário anterior, porque a Selic subiu para o mesmo nível de 2017, está em 13,75%, e a inadimplência tem batido recordes. A verdade é que os brasileiros estão enfrentando uma situação econômica muito desafiadora, e por isso acabam recorrendo ao rotativo do cartão até mesmo para pagar despesas do dia-a-dia”, explica Luis Santacreu, analista do setor financeiro da agência classificadora de risco Austin Rating.
Além da disparada da taxa básica de juros e da inadimplência, outro aspecto do mercado explica por que o rotativo do cartão tem sido a chaga mais evidente da piora financeira das famílias.
Pouco depois de estabelecer a norma sobre o rotativo, a CMN criou um limite para os juros cobrados no cheque especial, outra linha usada pelo consumidor quando as contas do mês não estão cabendo no salário.
Desde 2019, os bancos têm um limite de cobrança para a modalidade de 8% ao mês, o que equivale a uma taxa anual de 151%. Embora ainda seja um valor proibitivo, os juros do cheque especial encostaram em 300% em 2016.
“As duas linhas [o cheque especial e o rotativo do cartão] têm dinâmicas parecidas, pois são recursos de fácil acesso, e pré-aprovados, ou seja, não precisam de autorização imediata do banco. Para as instituições financeiras, trata-se de um crédito da pior qualidade, pois não tem garantia de pagamento”, complementa Santacreu.
Procurada pelo Metrópoles, a Associação Brasileira das Empresas de Cartões de Crédito e Serviços (Abecs) enviou um posicionamento por nota reproduzido integralmente abaixo:
As taxas de juros do rotativo do cartão de crédito são definidas de acordo com a estratégia comercial de cada empresa, a partir de diversos componentes, como custo de capital, inadimplência, tributos e despesas operacionais, entre outros.
A mudança da regra do rotativo, em 2017, foi uma importante iniciativa que ajudou a incentivar o uso consciente do cartão, contribuindo naquele momento para redução dos níveis de inadimplência.
Vale ressaltar que, segundo dados do Banco Central, o crédito rotativo do cartão representa apenas 3% do endividamento das famílias, sendo que cerca de 75% de todo o saldo movimentado pelos cartões no Brasil não possuem qualquer cobrança de juros por parte dos emissores de cartão. Além disso, 90% dos brasileiros costumam pagar o valor integral da fatura do cartão no vencimento, de acordo com pesquisa realizada pelo Datafolha a pedido da Abecs.
Com informações do Metrópolis.