Ronnie Lessa, ex-policial militar, revelou em sua delação à Polícia Federal que os indivíduos contratados para assassinar a vereadora Marielle Franco (Psol-RJ) seriam recompensados com loteamentos no Rio de Janeiro, avaliados em R$ 100 milhões.
Lessa enfatizou que essa não era uma simples empreitada para ganhar dinheiro fácil. O montante envolvido era significativo. Segundo ele, o deputado federal Chiquinho Brazão (União Brasil-RJ) e seu irmão, Domingos Brazão (conselheiro do TCE-RJ), o contrataram para executar Marielle. Ambos estão atualmente detidos.
De acordo com a delação, os assassinos receberiam dois loteamentos na Zona Oeste do Rio. O objetivo era estabelecer uma milícia na região e lucrar com atividades clandestinas, como exploração de gatonet, venda de gás e outros serviços. Além disso, havia indícios de influência eleitoral.
“A manutenção da milícia traria votos”, afirmou Lessa, indicando que Marielle representava um obstáculo para a expansão dos negócios milicianos.
O programa Fantástico informou que Lessa não especificou quando os loteamentos seriam entregues. A Polícia Federal não conseguiu confirmar detalhes específicos sobre o local ou o suposto esquema de instauração da milícia.
Lessa ressaltou que não foi contratado como um assassino de aluguel, mas sim para fazer parte de uma “sociedade”. Ele se encontrou três vezes com os irmãos Brazão para planejar o crime, sendo Domingos o mais ativo nas conversas. Os encontros ocorreram em locais escuros, propícios para negociações secretas.
Quanto à arma usada no assassinato, Lessa admitiu ter empregado uma metralhadora, fornecida pelos mandantes do crime. Ele também afirmou saber atirar “relativamente bem”.
O sargento Edimilson Oliveira da Silva, conhecido como Macalé, foi mencionado como cúmplice do crime por Lessa. Segundo o ex-policial, Macalé foi responsável por entregar a arma que tirou a vida de Marielle.
O assassinato de Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes ocorreu em 14 de março de 2018. A vereadora havia saído de um encontro no instituto Casa das Pretas, no centro do Rio, quando seu carro foi seguido pelos criminosos até o bairro do Estácio, que faz ligação com a zona norte.
Leia abaixo a transcrição do que disse Lessa nos vídeos da delação exibidos pelo Fantástico na noite de domingo (26.mai):
“A gente que matar. Não tem problema. Eu aceitei de cara, sem saber até quem é. […] Não é uma empreitada para você chegar ali, matar uma pessoa, ganhar um dinheirinho. Não. […] Era muito dinheiro envolvido. Na época, ele falou em R$ 100 milhões, que realmente as contas batem. R$ 100 milhões, tipo, o lucro dos 2 loteamentos. […] Na época, como até hoje, eu não sei quanto está o dólar, mas dá mais de US$ 20 milhões. A gente não está falando de pouco dinheiro. Então isso aí foi um impacto. Ninguém recebe uma proposta de receber US$ 10 milhões simplesmente para matar uma pessoa. Uma coisa assim, impactante realmente.
“[…] A gente assumiu e, na verdade, já cria uma milícia mesmo. […] Então ali já teria a exploração de gatonet, a exploração de cones, a exploração de… qualquer outra coisa que a milícia explora. Venda de gás. […] A questão valiosa ali é o que? É depois, é a manutenção da milícia porque a manutenção da milícia vai trazer voto.
“[…] Então, na verdade, eu não fui contratado para matar a Marielle como um assassino de aluguel. Não. Eu fui chamado para uma sociedade. […] Foram por 3 ocasiões né [os encontros] e eles simplesmente… o Domingos fala mais e o Chiquinho concorda. E o local escuro. O local até propício ao encontro assim, digamos que secreto, porque a situação pedia uma coisa dessa. Isso seria muito mais inteligente do que sentar numa churrascaria para tratar de um assunto desse. […] Lá foi feita a proposta. A Marielle foi colocada assim como uma pedra no caminho. […] Ela teria convocado algumas reuniões, ou uma reunião, com várias lideranças comunitárias. Se eu não me engano, o bairro de Vargem Grande ou Vargem Pequena, para aquela área lá de Jacarepaguá. E justamente para falar sobre esse assunto, para que não houvesse adesão a novos loteamentos da milícia. Então isso foi o que o Domingos passou para a gente, assim, de uma forma rápida. Que a Marielle vai atrapalhar e nós vamos seguir isso aí. Para isso ela tem que sair do caminho.
“[…] Dentro dessa tratativa ele deixava bem claro o seguinte: o crime não poderia partir da Câmara dos Vereadores. [Foi exigência] do Rivaldo Barbosa. Exigência explícita. […] O Rivaldo disse que não poderia ser de outra forma. Ele foi bem firme nisso. Ele foi contundente: ‘Não é não, e não pode porque o Rivaldo não quer’. […] Falava o tempo todo para o Rivaldo: ‘Tá vendo que o Rivaldo já está redirecionando, virando o canhão para o outro lado’. Que ele teria de qualquer forma de resolver isso, essa questão, porque já tinha recebido para isso no ano passado, do ano anterior, e foi bem claro com isso: ‘Não, ele já recebeu no ano passado. Ele vai ter que dar um jeito’. Então ali o clima já estava um pouco mais tenso, a ponto até mesmo na forma de falar.
“[…] O Macalé disse que foi acionado por eles, que foi conversar com eles e dizendo que eles estavam revoltados da vida. Estavam incorporados porque o Rivaldo tava pulando fora. O Rivaldo virou as costas. E o Rivaldo alegou que não tinha mais como segurar. Fugiu à alçada dele e não tinha mais como segurar, que eles realmente tentaram até onde deu e perdeu o controle.
“[…] Na verdade, quando eu pedi a arma para o crime da Marielle, nós já tínhamos as nossas armas, mas eu não vou descartar se eu posso mandar vir outra, porque vai jogar fora, a princípio é descartável. Eu não jogaria a minha fora. Pô, manda aí uma aí, pô. A pessoa que quer matar alguém tem que ter no mínimo uma pistola para te oferecer. […] Eu pedi a ele [Macalé] para pedir uma arma, mas que não fosse um revólver, no mínimo uma pistola. Quer dizer, no mínimo, uma pistola já resolveria. Não precisava mais do que isso. E ele veio com uma metralhadora.
“[…] Eles bateram de frente. Da mesma forma que batiam de frente com a questão da ordem do Rivaldo, batiam de frente com a questão de devolver a arma. Eu falei: ‘Porra, que loucura é essa, cara? Isso é um tiro no pé, pô. Isso é um tiro no pé. Como é que você guarda uma arma que foi usada em um crime? Ficar chamando atenção dessa forma’. É uma coisa… Mas não seria eu que ia mudar de história.
“[…] Quando a gente está entrando no carro, ele lembra uma galera: ‘Pô, negão, tem que devolver o negócio lá. Vai logo lá devolver esse negócio, cara. O cara tem que botar no lugar’. Aí o Macalé rebate ele de novo. O Macalé vira e fala: ‘Pô, padrinho, tudo tem que ir para o lixo, cara. Tem que jogar isso fora’. Ele [a outra pessoa responde]: ‘Tu tá doido, rapaz? Não pode, não pode, não pode. Tem que voltar para o lugar. Pô, não tem como’.
“[…]Poucos dias depois, 2 ou 3 dias depois, nós fomos ao rio das [inaudível] pela manhã. […] Em determinado momento, já em 2017, se eu não me engano, ele veio com um assunto relacionado ao Marcelo Freixo. […] O cara tem 20 seguranças. Não tem tanto sniper no Rio de Janeiro. Eu posso até não ter o curso ser [inaudível] como sniper, mas todo mundo sabe que eu atiro no [inaudível] há muitos anos e todo mundo sabe que eu atiro relativamente bem e teria condições de fazer aquele disparo. No meio de 20 seguranças, eu acho que não vou ali provocar uma pessoa qualquer, a gente está provocando o Marcelo Freixo. Fui tirando isso da cabeça dele. Aí ele aceitou, não cobrou mais. Aí foi talvez a nossa 1ª entrada com relação a crime.
“[…] Essa, na verdade, é uma grande quadrilha. Tanto Chiquinho Brazão, Domingos Brazão, os milicianos que ocupam o terreno, fazem parte de uma quadrilha. […] A parte administrativa a nível de prefeitura, de União, isso aí eu não tenho ingerência. Mas eles têm. Essa parte eles resolvem. Eles são os políticos que estão trabalhando com isso. E eu não. Mas eu sou o cara da delegacia, eu sou o cara do batalhão, eu sou o cara que bota o dedo na cara do miliciano malcriado” .
Com informações de Poder 360