Com base em informações da Folha de S. Paulo, a ministra da Saúde, Nísia Trindade, tomou uma decisão significativa: derrubou uma norma que exigia processo seletivo, impessoalidade e vetava nepotismo nas contratações da pasta.
Essa regra afetava a escolha de funcionários em parcerias estabelecidas pela Saúde com instituições como a Fiotec, fundação ligada à Fiocruz. Segundo a Folha, o ministério utilizava bolsas e consultorias concedidas nesses projetos para preencher lacunas causadas pela falta de servidores concursados, dificultando a transparência na lista de contratados.
A ministra revogou trechos da portaria 4.833, editada no penúltimo dia da gestão Jair Bolsonaro (PL) em maio de 2023. Essa portaria determinava que as contratações deveriam ocorrer após processo seletivo, com ampla divulgação das qualificações técnicas exigidas para os cargos.
As regras também indicavam que bolsistas e consultores tinham empregos temporários e precisavam cumprir metas dos projetos. No entanto, membros atuais e de gestões passadas do ministério afirmam que a escolha dos nomes era feita internamente, sem transparência.
O ministério, em resposta à Lei de Acesso à Informação (LAI), alega que a seleção dos profissionais cabe às instituições parceiras e que não há vínculo desses funcionários com a Saúde.
Além disso, a ministra também revogou a norma que impedia a concessão de bolsas a quem já tinha emprego na Saúde, enfatizando princípios como legalidade, impessoalidade, publicidade, razoabilidade, proporcionalidade e eficiência na seleção para cargos.
A mesma portaria exigia que o ministério mantivesse atualizada a base de dados de contratados. No entanto, a pasta alega não ter esses dados em mãos, mesmo após a Controladoria-Geral da União (CGU) determinar a entrega da lista de funcionários.
Integrantes da atual gestão consideram a portaria uma armadilha deixada no fim do governo Bolsonaro, enquanto a equipe anterior não teria apresentado a ideia à equipe de transição. Autoridades do governo Lula (PT) veem a medida como exposição do uso desses bolsistas na rotina da Saúde.
Técnicos que acompanharam a edição da portaria desfeita pela ministra afirmam que havia cobranças de órgãos de controle para a Saúde adotar processos seletivos e concursos públicos. Em 2012, o Ministério Público Federal apontou desvio de finalidade das bolsas e consultorias, recomendando que profissionais com contratos temporários não representassem a pasta em eventos e reuniões. Em 2017, a Procuradoria reforçou a necessidade de mudança de postura da Saúde, destacando que bolsistas e consultores desempenham funções próprias de servidores públicos do quadro.
O Ministério da Saúde justificou a revogação dos trechos da portaria por “razões operacionais”. Segundo a pasta, as regras anteriores presumiam que os Termos de Execução Descentralizada (TEDs) serviriam apenas para contratação de mão de obra, o que não refletia a realidade. Essas rotinas burocráticas dificultavam a celebração de novos termos.
Além disso, a vedação à contratação de familiares sem fundamento moral também foi mencionada. A alteração não exime o Ministério de seus deveres constitucionais.
O ex-ministro Queiroga negou que a portaria fosse uma “armadilha”. Ele afirmou que seu objetivo era disciplinar as Transferências Extraordinárias Descentralizadas (TEDs), que se tornaram rotina, especialmente para a contratação de recursos humanos.
A dependência de bolsistas, herdada de gestões anteriores, preocupa o governo. A divulgação dos contratados pode ser usada como munição em processos trabalhistas, evidenciando o vínculo com o ministério.
Dados revelados pela Saúde via Lei de Acesso à Informação mostram que, em 2015, cerca de 3.000 servidores concursados ou comissionados atuavam na administração da pasta em Brasília. Esse número caiu para cerca de 2.100 em novembro de 2023.
Em 2021, sob o governo Bolsonaro, o ministério divulgou parte da lista de bolsistas e consultores, com mais de 2.500 nomes e salários mensais totalizando R$ 16,3 milhões. O pagamento mais alto chegava a R$ 12 mil.
A falta de transparência em alguns cargos levou a situações controversas. Por exemplo, o jornalista José Camapum, primo da esposa do secretário-executivo da Saúde, recebe cerca de R$ 8.000 para atuar na Ouvidoria do ministério. Ele ganha mais do que os colegas, pois sua bolsa originalmente era destinada a um setor com salário mais alto.
A regra revogada por Nísia não impediria essa contratação, já que Camapum não é parente próximo de Barbosa. A Saúde afirma que o jornalista é responsável pela comunicação da Ouvidoria desde julho de 2023 e tem mais de 40 anos de atuação profissional.
Outro exemplo é o dentista Marcelo Haas Villas Bôas, filho do general Villas Bôas, que atuou como bolsista no ministério de 2020 a janeiro de 2023, com salário de cerca de R$ 7.500. Parte de seu trabalho envolvia representar a Secretaria de Saúde Indígena em reuniões sobre a Covid.
Ainda há funcionários não concursados desempenhando funções importantes. Em 2021, William Amorim Santana, consultor contratado pela Opas, apontou erros no processo de compra da vacina indiana Covaxin. E o coronel Nivaldo Alves de Moura Filho, exonerado do cargo comissionado de diretor, passou a receber R$ 11 mil como bolsista da Fiotec em maio de 2021.
A Fiotec, fundação ligada à Fiocruz, afirma que os bolsistas atuam em projetos com prazo determinado, vinculado à execução dos mesmos.