O ministro André Mendonça, do STF (Supremo Tribunal Federal), decidiu nesta sexta-feira (23) que devem ser recolocadas no ar as duas reportagens do portal de notícias UOL que relatam operações imobiliárias da família do presidente Jair Bolsonaro (PL). Os textos foram removidos por ordem da Justiça de Brasília.
A decisão de Mendonça foi rápida, dada poucas horas depois de o caso ser distribuído ao ministro na noite desta sexta (23). O Poder360 antecipou que o UOL iria ao Supremo e que a tendência da Corte era a de derrubar a ordem para retirar as reportagens do ar.
Em geral, os integrantes do Tribunal validam o que foi decidido em 2009 na ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) 130, em que o Supremo derrubou a Lei de Imprensa, proibiu a censura prévia e barrou decisões contra o livre exercício da atividade jornalística.
Mendonça citou o precedente. Disse que é assegurado a todos os brasileiros o “amplo exercício da liberdade de expressão” e que o Judiciário deve atuar como protetor dos direitos e garantias fundamentais.
“No Estado Democrático de Direito, deve ser assegurado aos brasileiros de todos os espectros político-ideológicos o amplo exercício da liberdade de expressão. Assim, o cerceamento a esse livre exercício, sob a modalidade de censura, a qualquer pretexto ou por melhores que sejam as intenções, máxime se tal restrição partir do Poder Judiciário, protetor último dos direito e garantias fundamentais, não encontra guarida na Carta Republicana de 1988”, afirmou o ministro.
O ministro disse que a decisão contra o portal de notícias violou o entendimento firmado pelo Supremo na ADPF 130 sobre o dever de informar.
“Revelam-se plausíveis as alegações da parte reclamante quanto ao eventual descumprimento do entendimento desta Suprema Corte, no que concerne à vedação à censura e à proteção do direito-dever de informar”, afirmou.
Mendonça analisou uma reclamação do UOL argumentando violação à ADPF 130. O portal qualificou a decisão da Justiça de Brasília como “censura” e disse que houve desobediência ao entendimento do STF sobre a supressão de textos jornalísticos.
“A censura imposta ao UOL é evidente e desautoriza o entendimento estabelecido pelo Supremo Tribunal na ADPF 130, ao restringir o livre exercício da atividade de imprensa e de comunicação”, diz o documento. O texto é assinado pela advogada Taís Borja Gasparian.
A advogada também afirma que a decisão do TJ-DFT violou o direito de defesa, uma vez que a ordem contra o portal estava em sigilo e o UOL não foi ouvido no curso do processo. O senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) entrou com a ação contra Juliana Dal Piva e Thiago Herdy Lana, jornalistas autores das reportagens retiradas do ar.
Reclamações são usadas quando se entende que uma decisão desrespeitou teses firmadas pelo Supremo. Não é necessário que o processo passe por todas as Instâncias do Judiciário para chegar como reclamação na Corte.
Antes da reviravolta que houve na noite desta 6ª, Flávio Bolsonaro comemorou a decisão contra o UOL. Disse que o portal deveria se chamar “Uódio” e que os repórteres que escreveram os textos são “lulistas travestidos de jornalistas”.
As reportagens já tinham sido criticadas pelo ministro das Comunicações, Fabio Faria, no começo do mês. Ele afirmou que os jornalistas teriam confundido dinheiro vivo com moeda corrente.
ENTENDA O CASO
Na quinta-feira (22), o desembargador Demetrius Cavalcanti, do TJ-DFT (Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios), mandou, a pedido de Flávio Bolsonaro, o veículo remover as reportagens. Também determinou que o UOL e os autores dos textos apagassem conteúdos sobre o tema de seus perfis nas redes sociais.
A 1ª reportagem foi publicada em 30 de agosto e detalha transações de R$ 13,5 milhões desde os anos 90, conforme o UOL. A 2ª, de 9 de setembro, aponta que houve o uso de dinheiro vivo nas 51 transações detalhadas na 1ª reportagem. O portal levantou registros em cartórios de negociações feitas pelo chefe do Executivo, pelos filhos do presidente e outros integrantes da família Bolsonaro.
Flávio Bolsonaro entrou com uma queixa-crime contra os jornalistas Juliana Dal Piva e Thiago Lana, autores das reportagens. O filho do presidente acusou os jornalistas de calúnia e difamação e pediu uma indenização de R$ 50.000 por danos morais.
Em 1ª Instância, o juiz Aimar Neres de Matos, da 4ª Vara Criminal de Brasília, havia negado o pedido de liminar (decisão provisória) de Flávio para retirar as reportagens do ar.
O senador recorreu ao TJ-DFT, que reverteu a decisão, determinando a retirada.
ÍNTEGRA DA DECISÃO
Leia a seguir a íntegra do despacho do ministro André Mendonça:
“A reclamação, inicialmente concebida como construção jurisprudencial, reveste-se de natureza constitucional, tendo como finalidades a preservação da competência do Supremo Tribunal Federal, a garantia da autoridade de suas decisões, bem como a observância de enunciado da Súmula Vinculante do STF.
“No caso em tela, alega-se inobservância, pelo tribunal reclamado, do que decidido por esta Suprema Corte quando do julgamento da ADPF nº 130/DF, ocasião em que o Pretório Excelso julgou procedente o pedido para declarar não recepcionado pela Constituição da República todo o conjunto de preceitos da Lei nº 5.250, de 1967, conhecida como Lei de Imprensa.
“No referido julgamento, reiterou-se a plena liberdade de imprensa como categoria jurídica proibitiva de qualquer tipo de censura, bem assim, a imposição, ao Poder Judiciário, do dever de dotar de efetividade os direitos fundamentais de imprensa e de informação. Tomada em relação de mútua causalidade com a democracia, a liberdade de imprensa foi considerada ‘patrimônio imaterial que corresponde ao mais eloquente atestado de evolução político-cultural de todo um povo’.
“Na espécie dos autos, a decisão reclamada concedeu efeito suspensivo ativo ao recurso de apelação interposto no âmbito da ação penal nº 0734741-84.2022.8.07.0001, em trâmite perante a 4ª Vara Criminal de Brasília/DF, ‘para determinar a imediata retirada do ar das matérias jornalísticas que residem nas seguintes URLs: (…), bem como para determinar a imediata remoção dessas postagens nas redes sociais Twitter e Instagram, nos perfis (…)’
“Neste juízo perfunctório de apreciação da conjuntura fático probatória, revelam-se plausíveis as alegações da parte reclamante quanto ao eventual descumprimento do entendimento desta Suprema Corte, no que concerne à vedação à censura e à proteção do direito-dever de informar.
“Em casos análogos, o Supremo Tribunal Federal tem se pronunciado sistematicamente no sentido de, ponderados os valores envolvidos, vislumbrar a existência dos requisitos autorizadores da concessão de medida liminar.
“A esse respeito, cabe mencionar excerto da decisão proferida pela e. Ministra Cármen Lúcia quando do deferimento da medida liminar na Reclamação nº 35.039/DF, a qual teve o mérito julgado procedente e confirmado pela Segunda Turma.
“Anoto, ainda, nesse mesmo sentido e circunstância de apreciação do feito, as seguintes decisões: Rcl 51.153-MC, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJe 10/01/2022; Rcl 50.255-MC, Rel. Min. Edson Fachin, DJe 10/11/2021; Rcl 39.089-MC, Rel. Min. Luiz Fux, DJe 13/03/2020; Rcl 41.850-MC, Rel. Min. Alexandre de Moraes, DJe 01/07/2020; Rcl 22.328-MC, Rel. Min. Roberto Barroso, DJe 26.11.2015; e Rcl 52.089-MC, Rel.Min. André Mendonça, DJe 25/02/2022.
“Desse modo, reconheço, em sede de cognição sumária, a ocorrência de aparente violação ao que decidido pelo Supremo Tribunal Federal na ADPF nº 130/DF, bem como a presença dos danos decorrentes dos efeitos do ato reclamado no âmbito do direito fundamental da liberdade de imprensa e do direito-dever de informar.
“Sopesados os valores em disputa, entendo que, no presente momento processual, devem prevalecer as liberdades públicas, tanto a de informar quanto a de expressão em seu mais amplo sentido (art. 5º, IV e IX, c/c art. 220, da Constituição da República), as quais independem de censura ou licença.
“No Estado Democrático de Direito, deve ser assegurado aos brasileiros de todos os espectros político-ideológicos o amplo exercício da liberdade de expressão. Assim, o cerceamento a esse livre exercício, sob a modalidade de censura, a qualquer pretexto ou por melhores que sejam as intenções, máxime se tal restrição partir do Poder Judiciário, protetor último dos direito e garantias fundamentais, não encontra guarida na Carta Republicana de 1988.
“Com efeito, o ordenamento jurídico pátrio assegura outros instrumentos e medidas para propiciar a composição entre os direitos individuais envolvidos e as garantias constitucionais, sem que seja necessário recorrer, prima facie, à supressão da liberdade de expressão e de imprensa.
“Ante o exposto, defiro o pedido liminar para determinar a imediata suspensão dos efeitos da decisão reclamada, no processo nº 0731352-94.2022.8.07.0000, permitindo-se à parte reclamante, por conseguinte, que restabeleça as matérias jornalísticas publicadas em seu site, assim como a divulgação dessas matérias em redes sociais, até o julgamento final desta reclamação.
“Cite-se o beneficiário da decisão reclamada para, querendo, apresentar contestação no prazo legal (art. 989, III, CPC). Intime-se, se necessário, a parte reclamante para que forneça o endereço da parte beneficiária do ato impugnado, sob pena de extinção do feito e revogação da medida liminar (arts. 319, II e 321, do CPC).
“Solicitem-se informações ao tribunal reclamado (art. 989, I, CPC). Após, abra-se vista do processo à Procuradoria-Geral da República para sua manifestação no prazo legal (art. 991, do CPC).
“Publique-se.
“Brasília, 23 de setembro de 2022.
“Ministro ANDRÉ MENDONÇA”
Créditos: Poder 360.