Sophie Deram, nutricionista franco-brasileira e autora de “O peso das dietas” e “Os 7 pilares da saúde alimentar”, lançou seu novo livro “Pare de engolir mitos: Como as novas descobertas da nutrição podem nos orientar em meio a modismos, desinformação e pseudociência” pela Editora Sextante. Nesta obra, ela desafia o que consideramos como ‘cuidado pessoal’ e sugere que isso pode estar nos prejudicando. As informações são do Estadão.
Deram, uma das primeiras a usar o termo “terrorismo nutricional” e a se posicionar contra as dietas no Brasil, questiona uma série de mitos que permeiam as discussões sobre nutrição, alimentação e saúde. Ela desafia, com base em evidências científicas – ou na falta delas – crenças amplamente divulgadas e aceitas, desde “não devemos ingerir líquidos durante a refeição” até modismos mais recentes, como o jejum intermitente.
Em entrevista ao Estadão, ela expressa sua frustração com a repetição constante de informações errôneas. Ela acredita que essas desinformações nos levam a uma situação trágica. “As pessoas se desconectaram de sua sabedoria interna e começaram a seguir regras”, diz ela. Ela argumenta que terceirizamos nossa saúde, fome e sono, e que isso nos faz perder a confiança em nossos corpos.
Essa desconexão nos leva ao centro de uma tempestade de saúde, caracterizada pelo avanço de doenças crônicas e alta prevalência de transtornos de saúde mental. Ela acredita que precisamos repensar nosso foco excessivo no peso, que é apontado como um fator de risco para várias doenças. “Incentivar a pessoa a emagrecer é uma fábrica de obesidade”, afirma.
No livro, ela compartilha suas experiências em seu consultório, onde coordena um projeto de genética e atende no Programa de Tratamento de Transtornos Alimentares (Ambulim) do Hospital das Clínicas do IPq-FMUSP. Ela enfatiza a importância de o paciente se tornar o protagonista de sua própria saúde. “O médico ou o nutricionista não sabe mais do que a pessoa (sobre ela mesma). A pessoa dirige seu próprio barco”, diz ela.
Deram tem a ideia de escrever esse livro há 30 anos, quando sentiu na pele esses mitos da nutrição e da saúde enquanto morava nos Estados Unidos com seus filhos pequenos. Ela acredita que a nutrição é muito mais complexa do que um simples cálculo de calorias e que a obesidade deve ser vista mais como uma consequência do que a causa do problema. Ela argumenta que incentivar uma pessoa a perder peso pode colocá-la em risco de obesidade e doença crônica.
Ela conclui que a obesidade é uma condição, na qual você armazena um tecido gordo maior, com risco para doença cardiovascular, diabetes, etc. Mas a questão é: por que você engordou? Ela acredita que precisamos trabalhar a saúde primeiro, não atacar o peso. E isso, ela admite, é complicado de explicar, porque parece contraintuitivo.
Então, como lidar com esse paciente? É necessário ajudá-lo a se reconectar com o próprio corpo. Mas como fazer isso? A maioria dos pacientes tem o objetivo de perder peso. Eu digo a eles: “Não vou ignorar seu desejo de emagrecer, mas vamos mudar nossa abordagem. Você passou a vida inteira tentando perder peso e, nesse processo, acabou ganhando mais. E o paciente concorda, dizendo ‘é verdade, faz 20 anos que estou tentando perder peso. Comecei querendo perder três quilos, hoje preciso perder 20’”. Nosso objetivo será melhorar a alimentação, viver de forma mais saudável, melhorar o estilo de vida. Muitas vezes, o paciente tem medo, porque passou a vida inteira ganhando peso. Meu desafio é fazer o paciente comer, porque ele não quer comer.
Nosso foco é melhorar a alimentação. Como? Primeiro, é preciso ter consciência de como você está se alimentando. Muitos pacientes não sabem, porque seguiram regras externas de várias dietas. Eu digo: “Vamos observar como você funciona e vamos melhorar sua alimentação”. Geralmente, o paciente fica um pouco triste, porque ele diz “eu tento comer perfeitamente e, depois das 17h, tudo desanda”. Isso é o famoso comer emocional.
Como melhorar isso? O primeiro passo é ter certeza de que você não está com fome. Se estiver com fome, é melhor comer. Uma vez que cuidou dessa fome física, precisa perceber o que tem de psicológico na sua fome. É um trabalho de terapia.
Sophie Deram, nutricionista, afirma: “A minha dificuldade é fazer o paciente comer, porque ele não quer comer”. Segundo informações do Estadão, ela geralmente trabalha com cinco sessões e, depois, deixa o paciente decidir se quer continuar ou não, mas precisa de pelo menos cinco sessões para abordar toda a questão do comportamento. Os pacientes melhoram.
Ela fez uma pesquisa interna, não científica, com seus pacientes. Perguntou: “Você está comendo melhor?”. A resposta foi: “Muito melhor, porque eu não tenho tanto comer emocional”. Ela perguntou: “Você acha que está comendo menos?”. A maioria respondeu que sim, de 30% a 50%. Comendo melhor, com mais tranquilidade, respeitando o corpo e as vontades, mas identificando o comer emocional para responder sem comer a essas emoções.
O paciente não apenas come melhor, mas também come menos. Quando você tem permissão para comer, não precisa mais fazer “despedida”, se entupir de um pacote de doce. É uma reeducação total da relação com a comida. Ela também incentiva a atividade física e um sono melhor.
O que é uma alimentação saudável? Não há consenso dentro da nutrição. Alguns dirão que é comer tudo orgânico, outros dirão que não pode ter glúten, lactose ou alimentos inflamatórios. E tudo isso é defendido por alguns profissionais muitas vezes sem ter ciência por trás. Alimentação saudável deveria ter uma definição bem mais ampla, porque até alimentos como um bolo de chocolate podem ser saudáveis se você come em paz. Ela tem uma definição do que é comer de forma mais saudável: comer de tudo sem restrição, sem culpa, com prazer e respeitando a fome e as emoções. No comer saudável, não será um alimento ou outro que fará a diferença, é mais uma atitude geral. E, claro, incentiva mais alimentos frescos, caseiros, menos dietas e mais legumes e frutas. É importante ver a sua alimentação como um padrão. Não é uma refeição que vai estragar toda a saúde do seu corpo. Como se proteger de mitos, então? No final do livro, tem uma lista (do que fazer). Primeiro, reconectar-se: você é o seu melhor especialista. É interessante ter informação, mas tem que ter muita cautela em filtrar. Se escutar algo que te assusta, busque uma segunda opinião. Outra coisa: nenhum corpo funciona igual. Então, o especialista, aquela pessoa que realmente estuda, sempre terá um discurso relativamente ponderado. Jamais será oito ou 80, porque não existe essa certeza.
Os discursos alarmistas desses charlatões mudam constantemente. Eles vão atacar o leite, depois o pão… O livro dela foi escrito para que as pessoas não fiquem com mais medo, pelo contrário. A ideia é deixá-las mais empoderadas para falar e questionar se é verdade ou não e de onde vêm as informações.