O Primeiro Comando da Capital (PCC), após entrar no cenário do tráfico internacional e iniciar a negociação de cargas de cocaína avaliadas em bilhões, destinadas à Europa e África, viu a necessidade de ampliar os pontos de envio da droga e decidiu renunciar ao controle de certos territórios.
A maior organização criminosa do Brasil, com presença em todo o território nacional, permitiu que grupos rivais assumissem gradualmente o tráfico de drogas local, do qual perdeu o interesse. No entanto, manteve territórios estratégicos, como no Rio Grande do Norte, devido à BR-116.
Essa rodovia federal, com 4.610 quilômetros de extensão, atravessa quase todo o país, conectando os estados do Rio Grande do Sul e Ceará, onde está localizado o Porto do Mucuripe, em Fortaleza. Segundo informações do Metrópoles, este local é usado como uma rota alternativa, um plano B, para o PCC enviar drogas ao exterior quando enfrenta dificuldades para operar o tráfico internacional pelo Porto de Santos, no litoral de São Paulo, onde concentra suas operações.
Devido à alta demanda de entorpecentes pelos “clientes” do outro lado do Atlântico, negociados em toneladas, a facção paulista começou a enviar as cargas principalmente por via marítima, escondidas em contêineres ou submersas nos cascos de navios.
Cerca de 60% de toda a cocaína enviada por via marítima sai do país pelo Porto de Santos, de acordo com estimativas do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), do Ministério Público de São Paulo. No entanto, para enganar a polícia, o MPSP e a Receita Federal, o PCC também começou a operar sua exportação pelos portos do Rio de Janeiro – território de seu maior inimigo, o Comando Vermelho (CV) – e de Fortaleza.
O promotor Augusto Lima, do Ministério Público do Rio Grande do Norte (MPRN), explicou ao Metrópoles que a região oeste do estado é dominada pela facção paulista por causa da rota alternativa pela BR-116. Acredita-se que o PCC começou a operar no estado em 2011 e estabeleceu conexões internacionais pelo estado nordestino por volta de 2016.
“A região oeste do estado é um ponto estratégico, por onde passa um corredor rodoviário que liga o Porto do Ceará com as regiões Sudeste e Sul do Brasil. Essa rota é muito importante e usada pela facção para escoar a droga [por via marítima]”, disse ele.
Embora “tolere” a presença de grupos concorrentes no RN, como o Sindicato do Crime, a principal organização criminosa potiguar, o PCC mantém seu território de interesse, por meio de seus associados. “O PCC não se importa mais em estar na ponta [dos negócios], mas ele franqueia, domina o mercado dessa forma [com associados]”, acrescentou o promotor.
Investigações do MPRN mostram que criminosos associados ao PCC, mas não batizados pela facção, também ajudam a garantir o trânsito das cargas em terreno potiguar. As remessas passam pela fronteira, por meio da BR-116, e são transportadas por Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Minas Gerais, Bahia e Pernambuco, até chegarem ao Porto de Fortaleza (CE).
Alguns criminosos associados ao PCC foram enviados para Paraguai e Bolívia, onde há laboratórios nos quais a cocaína da facção paulista é produzida e despachada, para acompanharem e entenderem a logística de transporte das cargas.
Como mostrado pelo Metrópoles, o tráfico de cocaína para a Europa rende um faturamento anual superior a R$ 10 bilhões ao PCC apenas no Porto de Santos, segundo estimativa do MPSP.
À frente de investigações sobre o PCC há quase 20 anos, o promotor Lincoln Gakiya, do Gaeco paulista, afirmou que as seis toneladas de cocaína que a Polícia Federal (PF) apreendeu no Porto de Santos, em 2023, representam 10% do que os criminosos conseguem despachar anualmente em navios para o continente europeu – ou seja, 60 toneladas. Considerando os cálculos da Promotoria, o Porto do Ceará e o do Rio de Janeiro renderiam à facção ao menos R$ 4 bilhões por ano.
Nessa estratégica região potiguar, fica a cidade de Jardim de Piranhas, terra natal de Valdeci Alves dos Santos, o Colorido, que já foi o número 2 do PCC nas ruas e, atualmente, está preso no sistema penitenciário federal. Recentemente, ele foi jurado de morte por Marco Willians Herbas Camacho, o Marcola, em meio ao racha histórico na cúpula do PCC.
Na mesma localidade, também ficam as igrejas de Geraldo dos Santos Filho, o pastor Júnior, irmão de Colorido. Como mostrado pelo Metrópoles, ele ergueu um patrimônio avaliado em pelo menos R$ 6 milhões, mediante um esquema de lavagem dinheiro para o PCC, que usa, entre outros meios, a compra de templos religiosos.