O presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Antônio Barra Torres, votou a favor da manutenção da proibição dos dispositivos eletrônicos para fumar (DEFs), também conhecidos como vapes ou cigarros eletrônicos. Essa decisão foi tomada nesta sexta-feira (19) e abrange a fabricação, importação, comercialização, distribuição, armazenamento, transporte e propaganda desses dispositivos.
Barra Torres, que é o relator do processo (25351.911221/2019-74), baseou sua decisão na consulta pública realizada em dezembro de 2023. Ele afirmou que essa consulta não trouxe argumentos científicos que alterassem o peso das evidências já ratificadas anteriormente pela colegiada.
A consulta pública da Anvisa recebeu 13.930 manifestações. Entre os participantes, 37% foram favoráveis à manutenção da proibição dos cigarros eletrônicos, enquanto 59% expressaram opiniões diferentes, seja contrárias ou com outras ponderações. Notavelmente, 61% dos profissionais de saúde avaliaram positivamente a proibição, enquanto 32% consideraram os efeitos negativos.
O relator também mencionou a orientação da Organização Mundial da Saúde (OMS), que apontou que o uso de cigarros eletrônicos é mais prevalente entre crianças de 13 a 15 anos do que entre adultos em todas as regiões da OMS. Além disso, ele citou uma carta da Aliança de Controle do Tabagismo (ACT), que argumenta que permitir a comercialização dos DEFs não é a solução para combater o mercado ilegal, pois o contrabando de cigarros ainda ocorre mesmo com a permissão de venda.
Em relação à carga tributária, o relator destacou que, apesar da possível geração de receita com a liberação dos cigarros eletrônicos, ela não seria capaz de compensar os consideráveis custos adicionais que o aumento do tabagismo traria para o sistema de saúde.
Vale ressaltar que vastas evidências científicas indicam que os DEFs, assim como os cigarros convencionais, causam danos cardíacos, respiratórios e neurológicos nos usuários, além de criar dependência devido à alta concentração de nicotina. Um estudo recente realizado na China e publicado na revista Scientific Reports concluiu que fumantes de cigarros convencionais e eletrônicos enfrentam o mesmo risco de desenvolver doença pulmonar obstrutiva crônica, com maior risco para aqueles que fazem uso dual desses produtos. A decisão da Anvisa visa proteger a saúde pública e manter o controle sobre o tabagismo no Brasil.
Ainda segundo a OMS, “com base nas melhores evidências científicas e práticas disponíveis, não é recomendável que os governos permitam a venda de cigarros eletrônicos como produtos de consumo em busca de um objetivo de cessação”.
Barra Torres destacou um trecho do documento da organização que orienta que, para os países que permitem a comercialização de cigarros eletrônicos como produtos de consumo, é necessário “proteger o público de alegações enganosas, tais como alegações falsas sobre segurança ou eficácia para deixar de fumar. […] As estratégias de cessação devem basear-se nas melhores evidências disponíveis de eficácia sinérgicas com outras medidas de controle do tabaco sujeitas à monitorização e à avaliação. Com base nas evidências atuais, não é recomendado que os governos permitam a venda de cigarros eletrônicos como produtos de consumo na prossecução de um objetivo de cessação”.
O relator também citou o artigo “Cigarro eletrônico é ameaça à saúde pública”, publicado na Folha e escrito por ex-ministros da saúde no Brasil, que é contrário à comercialização dos “vapes”. “Como ex-ministros da Saúde, temos o dever de reiterar nosso posicionamento contrário à comercialização dos dispositivos eletrônicos para fumar (DEFs)”, diz o texto.
Barra Torres ressalta que “nesse texto, são todos ex-ministros da saúde de partidos mais diversos. Portanto, é um documento lavrado numa comum união que os perpassa como médicos, como profissionais de saúde, que contam suas convicções partidárias, ainda que as mais evoluídas e até eventualmente sintonizadas em muitos pontos, mas, com certeza, neste ponto, como servidores de Estado, sem nenhum apego a outras questões que não a ciência médica. Me causou um impacto muito grande poder ver profissionais de saúde de diversos entendimentos da grande política nacional unidos num documento em defesa de um ponto de vista que professam em relação à saúde pública brasileira. Faço essa chamada de atenção a todos para a importância desse documento”.
O processo ainda está pendente de votação pelos demais membros da diretoria colegiada da Anvisa. Simultaneamente, a agência reguladora está analisando um projeto de lei no Senado que visa regulamentar os cigarros eletrônicos. Esse projeto, proposto pela senadora Soraya Thronicke (Podemos), estabelece requisitos rigorosos para a fabricação, importação e comercialização desses produtos, incluindo multas para a venda a menores de 18 anos. Caso seja aprovado, essa legislação poderá efetivamente revogar a proibição imposta pela Anvisa.