Foto: Reprodução/Metrópoles.
A Operação Fim da Linha, lançada na última terça-feira (9/4), tem como alvo duas empresas que operam linhas de ônibus nas zonas sul e leste de São Paulo. A operação investiga a infiltração do Primeiro Comando da Capital (PCC) no sistema de transporte público da cidade, um processo que começou há quase 25 anos. Na época, a prefeita Marta Suplicy (2001-2004) decidiu regularizar os perueiros, que forneciam transporte para os moradores dos bairros periféricos, através de cooperativas. As informações foram publicadas pelo Metrópoles.
Na década de 1980, acredita-se que 6 mil pessoas trabalhavam como perueiros na cidade. Este modelo de transporte clandestino surgiu com os proprietários de Kombis, também conhecidas como peruas. Eles aproveitaram o rápido e desordenado crescimento das regiões periféricas de São Paulo, que careciam de infraestrutura, para ganhar dinheiro transportando moradores desses novos bairros distantes até as áreas mais centrais da cidade.
Regularização dos Perueiros
Em 1990, a prefeita Luíza Erundina tentou regularizar os perueiros, criando quatro linhas que ligavam os extremos sul e leste da cidade aos bairros de Santo Amaro e Itaquera, respectivamente. Ela cadastrou motoristas para operar essas linhas. O programa foi expandido, mas não conseguiu eliminar os operadores clandestinos, devido ao crescimento populacional dessas regiões.
No início dos anos 2000, em Diadema, uma cidade vizinha da capital e próxima das represas da zona sul, um grupo começou a cobrar taxas de proteção de até R$ 15 mil por mês dos perueiros que operavam nas duas cidades. Entre os membros desse grupo estava Antônio José Muller Júnior, o Granada, membro do PCC, uma facção criminosa fundada em 1993 dentro do sistema prisional de São Paulo. O negócio dos ônibus provou ser lucrativo e, gradualmente, os membros do PCC começaram a operar também na zona leste.
Durante esse período, já na gestão de Marta Suplicy, a Prefeitura fez uma nova tentativa para acabar com os operadores clandestinos e regularizar o sistema. Desta vez, a medida funcionou. O então secretário de Transportes, Jilmar Tatto, negociou a criação de cooperativas de perueiros, que teriam que abandonar as Kombis e operar micro-ônibus.
Além disso, as cooperativas teriam um contrato com a Prefeitura, operando linhas com horários de partida pré-definidos e itinerários determinados pela SPTrans, a empresa municipal que administra o sistema de ônibus. Essas linhas prestariam um serviço complementar aos ônibus tradicionais, que ligam os bairros ao centro, operando linhas menores, entre os bairros mais afastados e os terminais regionais.
PCC no Volante
Segundo o Ministério Público, o PCC usou vários métodos, desde a cooptação até a ameaça, para assumir a presidência de parte dessas cooperativas que foram regularmente criadas no início dos anos 2000. No entanto, a Prefeitura não adotou nenhuma medida efetiva para impedir a entrada de perueiros ligados ao tráfico de drogas no sistema. Granada, por exemplo, conseguiu um cargo de diretor na Transmetro, uma cooperativa que se transformou na Cooperpam.
O ex-secretário Jilmar Tatto chegou a ser alvo de um inquérito policial junto com outras sete pessoas, suspeitas de ligação com o crime organizado. No entanto, a polícia não conseguiu reunir indícios suficientes para denunciá-lo à Justiça.
Após a regularização, de acordo com o MPSP, os traficantes e assaltantes de banco filiados ao PCC passaram a ter segurança para investir nas cooperativas, mantendo ônibus tanto para arrecadar com o serviço de transporte de passageiros quanto para lavar dinheiro proveniente do tráfico e de outros crimes. Nesse esquema, os motoristas de ônibus, que deveriam ser os verdadeiros cooperados, eram funcionários da facção ou laranjas.
Uma das provas dessa prática foi uma correspondência, descoberta em maio de 2012, entre dois dos membros da chamada “Sintonia Final Geral”, o núcleo de comando do PCC que fica abaixo apenas de Marco Willians Herbas Camacho, o Marcola, líder máximo da organização.
Na carta, entre ordens que incluíam até a determinação de um assassinato, havia instruções para que Daniel Vinícius Canônico, o Cego, vendesse um micro-ônibus que mantinha na SPTrans e repassasse o dinheiro para a facção. Em troca do veículo vendido, ele receberia um micro-ônibus novo de Roberto Soriano, o Tiriça, um dos chefes do PCC que hoje está em disputa interna com Marcola.
Sistema Atual
Em 2013, com os protestos de junho contra o aumento das tarifas que paralisaram o país, a Prefeitura se viu pressionada a rever o custo das passagens e do sistema. Era a gestão do então prefeito Fernando Haddad, atual ministro da Fazenda, e o secretário de Transportes era novamente Jilmar Tatto. Eles contrataram uma auditoria para tornar público todos os custos do transporte municipal. O trabalho apontou uma grande confusão contábil nas contas das cooperativas e recomendou que a Prefeitura fizesse novos contratos com as empresas.
A ideia era orientar que as cooperativas se reorganizassem em empresas e disputassem a nova licitação que Haddad planejava para o sistema de ônibus, mas a proposta não prosperou após decisões do Tribunal de Contas do Município (TCM) e da Justiça que favoreceram os empresários das viações de ônibus tradicionais, contrários à nova licitação.
No entanto, as cooperativas fizeram a parte delas e se reorganizaram em empresas a partir de 2015. Os membros do PCC, por sua vez, chegaram a espancar e até matar antigos perueiros que eram contrários à forma como essa nova organização estava ocorrendo, segundo o Ministério Público.
A antiga Cooperativa Paulistana, que atuava na zona leste, por exemplo, estava se transformando na empresa Allianz (que não tinha nenhuma ligação com a famosa seguradora de origem alemã com o mesmo nome). Um dos perueiros contrários, Sérgio da Conceição Nobre de Oliveira, de 36 anos, que já tinha até contratado advogado para contestar a mudança, foi morto na porta da garagem da empresa em fevereiro daquele ano.
Uma testemunha do caso que seria ouvida pelo MPSP foi espancada na sequência, paralisando as investigações.
Já na zona sul, segundo o MPSP, para poder disputar os lotes mais vantajosos do sistema de ônibus, que exigiam um capital social maior, a Cooperpam, que se transformou na empresa Transwolff, recebeu um aporte de R$ 54 milhões de uma empresa que seria de fachada e teria levantado os recursos junto ao PCC.
No total, a operação lançada na última terça-feira contra um suposto esquema de lavagem de dinheiro do PCC por meio de empresas de ônibus cumpriu quatro mandados de prisão e 52 de busca e apreensão na capital, no interior e no litoral paulista. Os alvos dos investigadores eram três sócios da Transwolff — todos presos — e um da UpBus, Silvio Luiz Ferreira, conhecido como Cebola, que está foragido.
O MPSP denunciou 26 pessoas das duas empresas por organização criminosa, extorsão, lavagem de capitais e apropriação indébita. Juntas, Transwolff e UpBus receberam mais de R$ 843 milhões em subsídios da Prefeitura da capital paulista apenas em 2023, para operar linhas nas zonas sul e leste.