Benjamin Zymler, ministro do Tribunal de Contas da União (TCU), solicitou esclarecimentos à Petrobras sobre um contrato que, segundo estimativas dos técnicos do tribunal, pode resultar em uma perda de R$ 487 milhões para a empresa estatal. Essa informação foi divulgada pelo colunista Lauro Jardim, do GLOBO. No final do último ano, a Petrobras firmou um acordo com a Unigel para a produção de fertilizantes em duas de suas fábricas, localizadas na Bahia e em Sergipe, que estão atualmente arrendadas para a Unigel.
A decisão destaca que o contrato foi firmado mesmo após as duas fábricas terem sido colocadas em hibernação pela Unigel em 2023, devido a problemas financeiros enfrentados pela empresa. Os contratos de arrendamento foram assinados em 2019, durante a gestão do presidente Bolsonaro.
“A Petrobras mantém o arrendamento de suas fábricas para o grupo Unigel, conforme definido nos contratos celebrados em novembro/2019, ao mesmo tempo em que contrata o arrendatário para operacionalizar a produção de fertilizantes por oito meses. A Petrobras, neste negócio, passa a fornecer o gás e receber fertilizante, tornando-se responsável por sua comercialização, assumindo o ônus de uma operação deficitária de quase meio bilhão de reais em um período de oito meses”, afirmou o ministro na decisão.
A Petrobras disse em nota que “todos os contratos e projetos são elaborados e executados seguindo todos os padrões e requisitos de governança, hierarquia decisória e responsabilidade operacional da companhia”. A empresa disse ainda que a contratação não representa um empreendimento definitivo e autônomo. “Trata-se uma medida de caráter provisório que permite a continuidade da operação das plantas localizadas em Sergipe e Bahia (que pertencem à Petrobrás) por provisionais oito meses, enquanto as contratantes se engajam na primeira fase rumo a uma solução definitiva, rentável e viável para o suprimento desses produtos ao mercado brasileiro”, diz a pasta.
A Petrobras afirmou que fornecerá todas as explicações e justificativas técnicas necessárias ao TCU no prazo estipulado. A Unigel, por outro lado, não se manifestou.
De acordo com a equipe técnica do tribunal, além do prejuízo estimado de quase R$ 500 milhões, o contrato apresenta outros “sinais de irregularidades”. Entre eles, destacam-se as falhas nas justificativas para a realização do acordo. Foi ressaltado também que a aprovação do contrato foi feita por um único diretor e a assinatura foi realizada por um gerente executivo, sem a participação de outras instâncias superiores.
A decisão da Petrobras é considerada uma medida temporária, pois em oito meses a empresa terá que tomar uma nova decisão sobre o arrendamento das unidades controladas pela Unigel. Segundo os técnicos do TCU, as opções seriam a retomada das plantas pela Petrobras ou a não renovação do contrato e a não retomada das plantas. Ambas as opções resultariam em prejuízos maiores, de R$ 1,23 bilhão e R$ 542 milhões, respectivamente, mas esses ocorreriam apenas uma vez.
“A Petrobras optou por uma solução provisória, enquanto as demais soluções seriam perenes, de forma que ao final dos oito meses terá que novamente reavaliar a questão, tendo que escolher entre prolongar indefinidamente o contrato de tolling (industrialização por encomenda), o que poderia ocasionar prejuízos ainda maiores do que qualquer outra solução definitiva”, afirmou o ministro Zymler.
Entenda a negociação
A Petrobras está em diálogo com a Unigel para desenvolver uma solução compartilhada para as Fábricas de Fertilizantes Nitrogenados (Fafens).
Durante o governo de Jair Bolsonaro, a Petrobras concedeu as duas unidades à Unigel. Essa ação foi parte da estratégia de venda de ativos da estatal e do foco no desenvolvimento do pré-sal.
Com a mudança de gestão na Petrobras no início do governo Lula, as discussões para a revisão do contrato com a Unigel intensificaram-se. Jean Paul Prates, o atual presidente da estatal, planeja retomar as operações das duas unidades e investir na expansão local, incluindo planos para o hidrogênio verde.
As negociações entre Petrobras e Unigel contemplam várias opções, como a saída da Unigel, a criação de uma parceria entre a empresa e a estatal ou um plano de investimentos conjuntos. De acordo com fontes dentro da estatal, as duas unidades atualmente não são lucrativas.
O retorno dos investimentos da Petrobras no setor de fertilizantes, considerado estratégico para o agronegócio brasileiro, faz parte do plano atual da empresa de retomar a atuação no setor de fertilizantes. Isso inclui a retomada das obras das fábricas em Três Lagoas, em Mato Grosso do Sul, e a reabertura da unidade de Araucária, no Paraná, que foi fechada no governo anterior.
Unigel passa por dificuldades
A Unigel, gigante brasileira dos fertilizantes e um dos maiores grupos petroquímicos do país, conseguiu, no fim do ano passado, 60 dias de proteção contra credores, diante de dificuldades financeiras. A empresa registrou um prejuízo de R$ 1,05 bilhão no acumulado de janeiro a setembro de 2023.
O que diz a Petrobras
A Petrobras disse que prestará todos os esclarecimentos e justificativas técnicas ao TCU dentro do prazo requerido. A empresa esclareceu em nota que a contratação da Unigel não representa um empreendimento definitivo e autônomo.
“Trata-se uma medida de caráter provisório que permite a continuidade da operação das plantas localizadas em Sergipe e Bahia (que pertencem à Petrobras) por provisionais oito meses, enquanto as contratantes se engajam na primeira fase rumo a uma solução definitiva, rentável e viável para o suprimento desses produtos ao mercado brasileiro”, disse.
A Petrobras afirma que suas estratégias de negócio garantem a aplicação de recursos em ativos e momentos corretamente avaliados, visando maximizar o retorno do capital investido de maneira segura e sustentável.
O que diz a Unigel
Na segunda-feira (05), a Unigel comunicou ao GLOBO que o contrato atual é uma “alternativa temporária” para garantir a operação das fábricas arrendadas, resultado de uma negociação que começou em junho de 2003. A empresa menciona que não teve acesso às avaliações internas da Petrobras e que, apesar das unidades operarem com déficit, continua a mantê-las devido à perspectiva promissora no setor de fertilizantes, que tem potencial para diminuir a importação do produto.
Veja a seguir a íntegra do comunicado:
“A Unigel informa que o contrato de tolling representa uma alternativa temporária para viabilizar a manutenção da operação das plantas arrendadas junto à Petrobrás e, por conseguinte, manter a sua contribuição relevante na produção nacional de fertilizantes nitrogenados, com a continuidade de funcionamento destes ativos e dos respectivos empregos a eles associados, até que sejam trabalhadas, conjuntamente, novas condições para a continuidade do negócio.
A Unigel ingressou no setor de fertilizantes no ano de 2020, investindo na retomada das atividades nas unidades da Bahia e de Sergipe em meio à abertura do mercado de gás natural no país, e realizou investimentos da ordem de R$ 600 milhões que resultaram na criação de 600 empregos diretos e 1.200 empregos indiretos, com impactos positivos para a sociedade.
O contrato de tolling vem sendo negociado desde junho de 2023, fazendo parte da análise conjunta de negócios entre Petrobras e Unigel que contém a perspectiva de desenvolvimento de oportunidades nas áreas de fertilizantes, hidrogênio verde e projetos de baixo carbono, informada publicamente em Comunicado ao Mercado publicado em 06 de junho de 2023.
A Unigel, como usual neste tipo de negociação, não participou ou teve acesso às análises de viabilidade interna da Petrobras ou aos procedimentos de governança da Estatal, e vem suportando os resultados negativos da operação desde fevereiro de 2023 por acreditar ser possível construir uma alternativa viável e integrada para a fabricação e comercialização de fertilizantes nitrogenados a partir das plantas que opera por meio do atual arrendamento junto à Petrobras.
O esforço de ambas as empresas no sentido de uma solução inteligente e conjugada para esta operação, busca preservar e tornar competitiva a produção nacional de fertilizantes nitrogenados, de forma a minimizar a dependência brasileira das importações, como meio de proporcionar a segurança alimentar e possibilitar uma alternativa acessível para a agricultura brasileira em meio às instabilidades políticas que ocorrem nos grandes produtores (Oriente Médio e Rússia).
Tanto Petrobras como Unigel seguem trabalhando com suas equipes técnicas e gerenciais para construir, dentro dos próximos meses, uma solução consolidada que garanta viabilidade, rentabilidade e competitividade para a operação das duas plantas de propriedade da Petrobrás atualmente operadas pela Unigel.”
Com informações de O Globo