As declarações de Emmanuel Macron, presidente da França, acerca da revisão de um novo acordo entre o Mercosul e a União Europeia, causaram indignação entre representantes do agronegócio e da indústria brasileira.
No dia 27, durante o Fórum Econômico Brasil-França na Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp), Macron criticou os termos do acordo atual, finalizado tecnicamente em 2019 e atualmente em processo de aprimoramento nas rodadas de negociações iniciadas em 2023. Ele defendeu a elaboração de um novo documento “a partir do zero”, incorporando diretrizes relacionadas à agenda climática. O evento contou com a presença do vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB).
“O acordo Mercosul-União Europeia, como está sendo negociado agora, é um péssimo acordo. Tem-se que considerar a biodiversidade e o clima. (…) Precisamos deixar de lado noções de algo construído vinte anos atrás e buscar um novo acordo, construído com base em novos objetivos, que tenha a luta contra o desmatamento, as mudanças climáticas e a luta pela biodiversidade no centro das prioridades”, disse Macron.
Nesta quinta-feira, 28, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) publicou uma nota em reação às declarações do presidente francês, defendendo a conclusão do acordo. “Para a CNI, o acordo reforça os objetivos e compromissos climáticos globais”, diz trecho do comunicado.
Para o presidente da entidade, Ricardo Alban, que assina a carta, um recomeço na construção de um novo texto demandaria mais tempo e, com isso, novos ciclos de ajuste. Alban defende ainda que, ao tratar de comércio e desenvolvimento sustentável, o acordo já atende “aos mais altos padrões, comparável a outros acordos comerciais modernos”.
“Como qualquer outro acordo comercial, este não é um acordo estático. A negociação faz parte de um processo cíclico, que permite atualizações sempre que for necessário. Nesse sentido, as disposições estabelecidas servem como ponto de partida para ampliarmos o diálogo entre os dois blocos e aprimorar os padrões. Inclusive, faz parte do texto uma disposição específica de revisão, que permite melhorias contínuas dos compromissos originalmente estabelecidos”, diz o presidente da CNI.
Segundo a senadora Tereza Cristina (PP-MS), que anteriormente ocupou o cargo de ministra da Agricultura, a proposta de revogar o texto atual é considerada um ato “absurdo”, destacando uma inclinação protecionista advogada pelo presidente Macron.
“Começar do zero é um absurdo. Ele está falando para o público dele na França, que não quer esse acordo. Porque você quebra uma parte do protecionismo que alguns dos setores têm, principalmente a agricultura. (…) A questão é esta: protecionismo travestido de políticas ambientais”, diz a parlamentar, que já foi presidente da Frente Parlamentar da Agricultura.
Ela questiona ainda a tentativa do mandatário francês de tomar para si o protagonismo da discussão, do lado europeu. “Ele fala em nome dos outros países? Até onde sabemos, não é a mesma posição da Espanha, da Itália, de parte da Alemanha. Temos países importantes da UE que não estão de acordo com essa visão da França e do Macron. Temos que aguardar, porque tem um novo parlamento eleito na UE, não tão verde, não tão ambientalista quanto o que está de saída”, afirma.
A ex-ministra destaca que, embora o Brasil seja reconhecido por sua extensa preservação da vegetação nativa e possua uma das legislações ambientais mais progressistas do mundo, as recentes flexibilizações ambientais da União Europeia para os países membros sugerem uma hipocrisia em relação às justificativas apresentadas como “obstáculos” quando se trata dos produtores sul-americanos.
A senadora cita que, na última terça-feira, 26, em meio a uma onda de protestos de camponeses, a Comissão Europeia aprovou a eliminação da obrigatoriedade de os agricultores deixarem ao menos 4% das terras em pousio ou preservadas. “Esta é a mesma UE que não reconhece o Código Florestal brasileiro, que exige preservação de 20% a 80%, contra os 4% de lá, das propriedades rurais e quer impor às nossas exportações regras próprias antidesmatamento”, publicou na ocasião.
“Agora, a gente tem que se submeter a regras europeias que eles próprios não dão conta de cumprir. Os protestos são devido às exigências sobre o meio ambiente, às boas práticas de produção, que inviabilizam defensivos agrícolas e outras coisas que elevam os custos. Os produtores lá não estão aguentando esse garrote”, afirma.
Com Lula
Sob pressão do setor agrícola francês, que enxerga uma forte concorrência no mercado sul-americano, Macron tem expressado publicamente sua oposição à versão atual do acordo entre Mercosul e União Europeia. Em janeiro, ele foi tão longe a ponto de solicitar à Comissão Europeia que abandonasse o tratado.
Durante sua estadia no Brasil, Macron evitou deliberadamente discutir o assunto com o governo brasileiro, abordando-o apenas quando instado durante um evento na Fiesp, devido à pressão de representantes do setor.
Durante as conversas com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, foram abordados temas como o anúncio de um plano de investimento público e privado de 5,4 bilhões de reais em projetos de pesquisa sobre bioeconomia e sustentabilidade na Amazônia pelos próximos quatro anos, além do anúncio da construção de um submarino nuclear no Brasil com tecnologia francesa.
Com informações da VEJA/Maquiavel