Durante um julgamento recente no Tribunal de Justiça de Goiás (TJGO), o desembargador Silvânio de Alvarenga (à esquerda na imagem) sugeriu que uma jovem que denunciou assédio poderia estar agindo de forma ingênua e expressou descontentamento com o que descreveu como uma tendência de “caça aos homens”. O incidente ocorreu em 19 de março.
A 6ª Câmara Cível estava revisando um processo de reparação por danos morais movido por uma jovem que alegou ter sido assediada sexualmente pelo pastor Davi Passamani, fundador da igreja A Casa. Passamani já foi acusado por três ex-membros da congregação por incidentes semelhantes.
Desembargador sugere que vítima é sonsa em caso de assédio envolvendo pastor: "Caça aos homens" pic.twitter.com/ur0t5looMY
— Diario do Brasil Notícias (@diariobrasil_n) March 26, 2024
Durante seu discurso, inicialmente, Silvânio criticou o que considerou uma “caça aos homens”, que estaria prejudicando as interações entre homens e mulheres.
“Essa caça às bruxas, caça aos homens. Daqui a pouco não vai ter nenhum encontro. Como você vai ter relacionamento com uma mulher, se não tiver um ‘ataque’? Vamos colocar ‘ataque’ entre aspas”, afirmou o desembargador.
No final de sua fala, Silvânio formula uma pergunta questionando se a vítima não teria sido “muito sonsa”.
“Uma outra pergunta também que eu faço, essa moça aí, ela mesma falou que é ‘sonsa’, ela mesma usou essa expressão, que não está compreendendo a coisa. Se ela não foi muito sonsa nesse…? No século que a gente está. É outra dúvida”.
Silvânio indeferiu o pedido da vítima, mas pediu vistas do processo para análise, podendo mudar seu voto na próxima sessão, que acontece na manhã desta terça-feira (26/3). O placar entre os outros desembargadores está empatado (2 a 2) e a decisão final vai depender de Silvânio mudar seu voto.
“Racismo virou modismo”
Ainda no mesmo julgamento, o desembargador Jeová Sardinha (à direita na foto), que também discordava da vítima no caso, reclamou do que chamou de modismo em relação a denúncias de assédio sexual e racismo.
“Eu, particularmente, tenho uma preocupação muito séria com o tal do assédio moral – como gênero sexual, como espécie do gênero – e racismo. Então, esses dois temas viraram modismos. Não é à toa, não é brincadeira, que estão sendo usados e explorados com muita frequência”.
Jeová Sardinha continua afirmando que a interpretação de assédio e racismo é subjetiva, expressando ceticismo em relação a essas questões.
O caso em questão trata de um pedido de indenização para instituições que apoiam mulheres vítimas de violência, não se relacionando diretamente ao assédio sofrido pela vítima. O processo criminal referente ao assédio da denunciante foi arquivado devido à falta de provas.
A advogada da jovem, Taísa Steter, argumentou que as declarações dos desembargadores são inaceitáveis e que os magistrados devem deixar de lado suas convicções pessoais durante o julgamento.
“Enquanto advogada, espero que haja uma análise séria quanto às provas do processo. Enquanto mulher, espero que as falas dos desembargadores sejam corrigidas, já que o contexto misógino contribui pela intimidação de outras vítimas que ainda estão no anonimato”, afirmou.
A presidente da Comissão da Mulher Advogada da OAB, Fabíola Ariadne, lembrou que existe um protocolo para julgamento com perspectiva de gênero e que deve ser observado em todos os tribunais, desde março de 2023.
“Esse protocolo traz uma série de orientações para evitar a reprodução de preconceitos e estereótipos no Judiciário, inclusive nos casos de assédio. Muita mulheres deixam de procurar a justiça, justamente por medo de serem revitimizadas, de se verem julgadas como vítimas em detrimento de seus algozes”.
Mais de uma vítima
Davi Passamani enfrentou acusações do Ministério Público relacionadas a outra vítima em 2020, resultando na suspensão condicional da pena devido à sua não reincidência e ao fato de a pena ser inferior a dois anos. Em 2023, um terceiro incidente foi relatado, atualmente em fase de investigação.
Recentemente, a ex-esposa de Davi iniciou um processo contra ele devido a perseguições online e offline durante o divórcio. O tribunal emitiu uma medida protetiva para ela e sua filha. No final do ano passado, Passamani deixou A Casa e estabeleceu uma nova congregação chamada A Porta.
Em comunicado, o advogado Leandro Silva, representante de Davi Passamani, negou veementemente as acusações, alegando que são infundadas e parte de uma conspiração para afastá-lo do cargo na igreja.
“A defesa do pastor Davi Passamani declara que todas as acusações formalizadas ou veiculadas na mídia são falsas e provará que tudo é fruto de uma conspiração para destituí-lo da direção da Igreja Casa e apropriação de seu patrimônio. Em breve, tudo será esclarecido”.
As informações são do Metrópoles