É legal ou afrontosa à Constituição a decisão proferida por magistrado que, sob o pretexto de aplicar medida cautelar com fulcro no artigo 319, VI, do CPP, determina, cautelarmente, “a suspensão do registro da Ordem dos Advogados do Brasil” de profissional regularmente inscrito?
Infelizmente, responder à questão em pauta não é uma tarefa simples devido à considerável divergência jurisprudencial. No entanto, existem duas correntes de pensamento que merecem destaque.
Uma corrente, minoritária, considera a medida ilegal, argumentando que, na sua interpretação, a redação do artigo 319, VI, do CPP, conforme estabelecido pela Lei nº 12.403 de 2011, não revogou o artigo 70 do Estatuto da Advocacia.
De acordo com essa perspectiva, o poder de aplicar penalidades disciplinares aos membros da Ordem dos Advogados do Brasil é exclusivo do Conselho Seccional onde a infração ocorreu, ou do Conselho Federal.
Se um juiz considerar necessário tomar essa medida cautelar, ele deve contatar a Seccional da OAB na qual o advogado está registrado, e, seguindo o devido processo legal, solicitar a adoção da medida.
Essa interpretação foi aplicada pelo Tribunal de Justiça do Pará em 2016.
Ao apreciarem o Mandado de Segurança nº 0011333-26.2016.8.14.0000, o Tribunal de Justiça do Pará fixou entendimento por unanimidade que a inscrição nos quadros da OAB constitui um direito adquirido daquele que consegue lograr aprovação em um certame público, chamado “exame de ordem”, não podendo ser suprimido, ainda que temporariamente, salvo nos termos do expressamente disposto no Estatuto da Advocacia e da Ordem.
Aplicação em Minas
De igual modo, o referido entendimento fora aplicado pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais no julgamento do Habeas Corpus de nº 1.0000.18.119835-9/000 de relatoria da desembargadora Kárin Emmerich, em 2018, a qual, ao apreciar a temática, frisou que o Conselho Seccional da OAB detém a competência exclusiva para punir advogados, conforme o artigo 70 da Lei 8.906/9, e que o Tribunal de Ética da OAB é quem possui legitimidade para aplicar medida preventiva de suspensão do exercício da profissão.
Todavia, como ressaltado no inicio, o entendimento pela ilegalidade do ato, é na realidade minoritário perante a jurisprudência. A temática já fora apreciada pelas turmas do Superior Tribunal de Justiça no julgamento do Agrg no Recurso em Habeas Corpus nº 165.716 — MG (2022/0161801-3), em 16/08/2022.
No caso citado, a OAB em Minas, em defesa das prerrogativas de um de seus inscritos, buscava perante o STJ o reconhecimento da competência exclusiva da Ordem dos Advogados para aplicar a suspensão do exercício profissional aos seus inscritos, ou seja, que o deferimento da cautelar de suspensão do exercício da advocacia configuraria usurpação de atribuição que seria exclusiva da OAB.
Todavia, os fundamentos aviados foram rechaçados pela 5ª Turma, sobre os seguintes fundamentos:
Que o artigo 319, o Estatuto Processual Penal elenca de forma específica as referidas cautelares, sendo relevante para aquele caso a que está descrita no seu inciso VI:
Vale para todas as classes
Conforme expressado pela mesma turma, o dispositivo claramente visa abranger todas as profissões, tanto públicas quanto privadas, incluindo a advocacia, que é considerada uma “atividade de natureza financeira”.
Além disso, foi entendido que a suspensão do exercício profissional do advogado pelo Judiciário não constitui usurpação das atribuições exclusivas da OAB. O relator argumentou que essa suspensão é parte da atuação administrativa do conselho de classe, sem interferir na atuação dos órgãos competentes em questões criminais.
Embora os advogados desempenhem um papel essencial na Justiça e possuam direitos e inviolabilidade, isso não serve como proteção para a prática de atos ilícitos, evitando assim privilégios indevidos em desacordo com o princípio da igualdade. O relator mencionou que até os juízes estão sujeitos ao afastamento cautelar.
Portanto, de acordo com a jurisprudência do STJ, uma decisão judicial que suspende o exercício profissional de um advogado não usurpa a competência da OAB e é totalmente válida.
No entanto, como não há uma posição definitiva sobre esse assunto, os tribunais de justiça estaduais não estão vinculados aos entendimentos do STJ e têm liberdade para discordar, como demonstrado pelo TJ-PA e o TJ-MG.
As informações são de ConJur