O Brasil, defensor de uma ampla revisão do endividamento global para possibilitar que as nações devedoras, especialmente as africanas, obtenham recursos para investir em iniciativas sociais e de desenvolvimento sustentável, possui um crédito de US$ 3,1 bilhões, equivalente a cerca de R$ 15,4 bilhões, com 13 países. Esses dados são provenientes de um levantamento do Ministério da Fazenda, com informações atualizadas até 31 de janeiro deste ano, obtido pelo O GLOBO. A revisão das dívidas internacionais é uma das principais prioridades da presidência brasileira no G20, cujo mandato se estende até novembro.
O governo brasileiro já iniciou negociações para obter descontos com outros países credores, mas até o momento apenas as dívidas com países africanos estão sendo consideradas para negociação conjunta. No entanto, países como Cuba e Venezuela, que estão praticamente excluídos do sistema financeiro internacional, estão buscando soluções separadas em suas negociações com o Brasil.
Reunião com Cuba
No caso de Havana, o assunto foi discutido em fevereiro, numa reunião na qual o regime cubano manifestou interesse em pagar o que deve, mas apontou limitações para fazê-lo no curto prazo, alegando sofrer os efeitos da pandemia e do embargo americano, em vigor desde a década de 1960. Sobre a Venezuela, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, já disse que a pasta buscaria consolidar os dados antes de discutir o tema.
Conforme o levantamento da Fazenda, têm dívidas com o Brasil, vencidas e a vencer: Antígua e Barbuda, Congo, Cuba, El Salvador, Gana, Guiné, Guiné-Bissau, Mauritânia, Moçambique, São Tomé e Príncipe, Senegal, Venezuela e Zimbábue. Os venezuelanos já têm US$ 1,2 bilhão em atraso (R$ 6 bilhões) e Cuba, US$ 608 milhões (R$ 3 bilhões), além de cerca de US$ 500 milhões a vencer (R$ 2,5 bilhões). As dívidas dos demais países, vencidas, são de até US$ 143 milhões (R$ 715 milhões), individualmente.
Os débitos têm origem no financiamento à exportação pelo Programa de Financiamento às Exportações, pelo seguro de crédito à exportação com cobertura de obras financiadas pelo BNDES e por uma modalidade de crédito que existiu até o fim dos anos 1990, a Finex.
Pela legislação, o Brasil não pode perdoar dívidas, e, sim, conceder descontos. Com o Clube de Paris — que reúne os governos dos países credores — e o Fundo Monetário Internacional (FMI), as conversas já começaram. As condições precisam ser previamente combinadas, incluindo os abatimentos oferecidos às nações devedoras.
Todavia, para o governo brasileiro, esse debate deveria ser estendido para o G20, onde há maior representação. A China, por exemplo, integra o grupo das economias mais ricas do mundo, mas não faz parte do Clube de Paris. Daí o interesse do Brasil de levar esse tema aos grupos das maiores economias do planeta.
Segundo interlocutores do governo brasileiro, um dos objetivos do país, como presidente do G20, é obter um consenso em nível mais amplo sobre o endividamento global e com maior representatividade que o Clube de Paris. A estratégia é incluir algum tipo de compromisso na declaração de líderes do grupo, que vão se reunir, no Rio, em novembro.
Otaviano Canuto, membro sênior do Policy Center for the New South, lembra que a discussão sobre as dívidas de países africanos já vem ocorrendo há vários anos.
— Seria mais fácil se todos os maiores credores sentassem à mesa, para que os países se sintam seguros para oferecer algum perdão, sem beneficiar quem ficar de fora. Neste momento, o desafio é que o grande credor, que é a China, prefere negociar individualmente, à parte — disse Canuto, ex-vice-presidente do Banco Mundial e ex-diretor do FMI.
Política fiscal
Para Marcello Estevão, consultor do Banco Mundial e professor da Universidade de Georgetown, em Washington, é correta a discussão de que o desenvolvimento dos países deve ser mais relevante que a dívida.
— O enfoque brasileiro de combate à fome, à pobreza e à desigualdade, no desenvolvimento sustentável e na reforma da governança global está certíssimo. São as prioridades na área de desenvolvimento econômico para o mundo.
O economista-chefe da Austin Rating, Alex Agostini, defende acordos com base na governança, incluindo as condições dadas aos trabalhadores, e o regime de governo, entre outros pontos.
— Como os países se posicionam em relação à sua política fiscal, quais foram os avanços e os retrocessos? Quando se adota uma negociação por uma questão política, o problema não é corrigido.
As informações são de O Globo