Relatórios confidenciais do inquérito da Polícia Federal sobre supostas atividades de espionagem ilegal no governo de Jair Bolsonaro (PL) indicam que Luiz Fernando Corrêa, o atual diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), foi objeto de pelo menos quatro relatórios, com um deles classificando-o como “investigado”.
Os documentos, aos quais a Folha teve acesso, fazem parte da investigação sob a supervisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes.
Até agora, as decisões tornadas públicas por Moraes apenas mencionam manifestações da Polícia Federal, indicando que a administração atual da Abin tomou medidas que, segundo os investigadores, prejudicaram as apurações, sem uma menção direta a Corrêa como investigado.
Moraes também não cita diretamente o atual diretor-geral da agência em suas decisões, limitando-se a reproduzir, em alguns pontos, as afirmações da PF.
A investigação concentra-se no uso do software espião FirstMile durante o mandato de Bolsonaro na Presidência da República e de Alexandre Ramagem, atualmente deputado federal, na Abin.
Corrêa assumiu o comando da agência em maio de 2023 e é um antigo colaborador de Lula, tendo sido diretor-geral da PF no primeiro mandato do presidente. Em uma entrevista recente, o chefe de Estado reiterou sua confiança no diretor da agência de inteligência.
“O companheiro que indiquei para ser diretor-geral da Abin é companheiro que foi meu diretor-geral da PF entre 2007 e 2010, é pessoa que tenho muita confiança.”
Um dos documentos a que a Folha teve acesso é um relatório da Divisão de Contrainteligência Policial datado de 3 de novembro de 2023, 14 dias depois da deflagração da primeira operação da PF no caso, que incluiu busca e apreensão na sede da Abin em Brasília.
Ele trata especificamente de Corrêa e de seu então número 2, Alessandro Moretti. Há, nos dois casos, uma “qualificação dos investigados” com fotos de ambos, a data de nomeação de cada um na Abin e informações pessoais como número de documentos e dos respectivos telefones celulares.
O relatório é endereçado ao delegado da PF Daniel Carvalho Brasil Nascimento, responsável pelo inquérito.
Moretti acabou exonerado do cargo após a segunda operação da PF, de janeiro. A polícia afirma que ele teria dito, em uma reunião com servidores da Abin, que haveria fundo político nas investigações e que tudo iria passar.
O segundo documento, da Divisão de Operações de Inteligência Cibernética da PF, é datado de 11 de janeiro e trata do depoimento de Corrêa na Comissão Mista de Controle das Atividades de Inteligência do Congresso, ocorrida em 25 de outubro do ano passado.
“Foi identificada a apresentação realizada por Luiz Fernando Corrêa na reunião”, diz o documento da PF, que reproduz, em seguida, os slides que o chefe da Abin mostrou na reunião com os congressistas, que foi sigilosa.
O relatório, que também é direcionado ao delegado responsável pelo inquérito, lista uma nota divulgada pela Intelis (União dos Profissionais de Inteligência de Estado da Abin) em que ela faz críticas ao diretor-geral da PF, Andrei Rodrigues.
Além de dizer repudiar declarações do chefe da PF no sentido de uma ação institucionalizada de arapongagem ilegal da Abin na gestão Bolsonaro, a associação afirma que maus profissionais existem em qualquer corporação, inclusive na PF, e que “o desvio de poucos não pode ser atribuído à totalidade dos servidores”.
A associação diz também que é preciso separar o que classifica como uso correto do software FirstMile, cuja contratação ocorreu com chancela da Advocacia-Geral da União, de eventual mau uso.
O inquérito já resultou em duas operações com prisões e buscas e apreensões, uma em outubro e a mais recente em janeiro.
O terceiro documento do inquérito cujo foco é Corrêa trata de análise de material apreendido na primeira operação de busca, em outubro de 2023, entre eles agenda de anotações e um grupo de WhatsApp que mostram reuniões e diálogos entre ele e outros integrantes da agência.
Um bloco de anotações confiscado de um ex-diretor da Abin revela registros de reuniões de Luiz Fernando Corrêa do final de março à primeira quinzena de maio de 2023, indicando sua participação na diretoria antes de ser formalmente nomeado diretor-geral.
Embora Lula tenha oficialmente indicado Corrêa para o cargo em 2 de março de 2023, por meio de mensagem presidencial no Diário Oficial da União, a sabatina e aprovação pelo Senado só ocorreram em maio. O decreto de nomeação foi publicado pelo governo em 29 de maio.
Outro documento analisado refere-se a material apreendido durante a operação de outubro, especificamente um telefone celular pertencente a Paulo Maurício Fortunato, então ocupante do cargo de número 3 na agência. Este documento lista mensagens de grupos de WhatsApp de membros da nova gestão da Abin desde janeiro de 2023, indicando que a decisão política para a escolha de Corrêa já havia sido tomada nesse período.
Em uma das mensagens, por exemplo, datada de 8 de fevereiro, Corrêa diz ao restante do grupo que Lula provavelmente não formalizaria ainda a indicação naquele dia. “Vamos respeitar o tempo deles. Enquanto isso, vamos adiantando a preparação das ações de início de gestão. O preço disso será, com certeza, a continuidade das nomeações. Vamos ter que suportar o desgaste de desfazer aquelas que não estiverem alinhadas com nosso modelo.”
Da mesma forma que constava no relatório anterior, a conclusão transmitida ao delegado encarregado da investigação é que Corrêa esteve presente em reuniões da diretoria da Abin antes de sua nomeação.
Ao serem contatados, Corrêa e a PF declararam que não irão se pronunciar a respeito de investigações em curso.
A Abin afirmou que “continua contribuindo com as investigações”. A Folha não conseguiu falar com Moretti.
As informações são da Folha de SP