As regulamentações dos planos de previdência privada foram recentemente ajustadas pelo governo federal, com o objetivo de tornar esse modalidade de investimento mais atrativa para os poupadores. As mudanças nas normas foram implementadas pelo Conselho Nacional de Seguros Privados (CNSP), vinculado ao Ministério da Fazenda. Segundo especialistas e representantes da indústria de previdência privada, essas atualizações resultarão em um aumento da concorrência no mercado, proporcionando aos investidores uma maior variedade de opções para recebimento de renda.
“O consumidor está no centro da nova disciplina jurídica, podendo escolher adequadamente e tomar a sua melhor decisão de investir”, avalia o superintendente de Seguros Privados (Susep), Alessandro Octaviani.
As mudanças estão descritas em duas resoluções do CNSP editadas em 19 de fevereiro. A número 463/2024 é direcionada aos chamados Plano Gerador de Benefício Livre (PGBL); e a 464/2024, relacionada ao Vida Gerador de Benefício Livre (VGBL). As alterações ocorrem quando os planos completam 25 anos de criação e foram decididas após consulta pública ao longo de 2022, em processo de debate com a sociedade civil e participantes do setor. De acordo com o CNSP, os planos de previdência privada contam com cerca de R$ 1,4 trilhão em investimentos. As mudanças trazidas pelas resoluções valem apenas para novas adesões.
Entenda as mudanças
Os produtos VGBL e PGBL são planos de previdência privada com característica de acumulação, ou seja, há um período de composição do investimento que será, no futuro, revertido em renda. A principal diferença entre os dois está no tratamento tributário. Em ambos, o imposto de renda (IR) incide apenas no momento do resgate ou recebimento da renda. No VGBL, o IR incide apenas sobre os rendimentos; no PGBL, sobre o valor total a ser resgatado ou recebido sob a forma de renda.
Uma das principais mudanças impostas pelas resoluções é a determinação de que os planos instituídos, ou seja, aqueles que preveem contribuição por parte dos patrocinadores, estabeleçam cláusula de adesão automática de participantes. Por exemplo, quando uma pessoa é contratada por uma empresa que oferece planos de previdência aos empregados, ela será automaticamente incluída no plano. Antes, era preciso que o novo funcionário manifestasse interesse em aderir ao plano.
Dentro de um determinado período que ainda será regulamentado pela Susep, esse trabalhador poderá decidir se quer manter a adesão ou sair do plano de previdência. Enquanto isso, a empresa fará os aportes normalmente, sem acarretar qualquer custo ao empregado. “O participante deverá receber sempre as informações e o suporte para a tomada de decisão mais adequada à sua realidade e necessidades”, explica a coordenadora-geral de Regulação de Seguros Massificados, Pessoas e Previdência da Susep, Adriana Hennig.
Outra mudança relevante diz respeito à responsabilidade das seguradoras em relação ao suitability, termo em inglês que se refere à adequação entre o perfil dos participantes e o tipo de investimento. Quando perceberem um desajuste, a empresa responsável pelo plano deverá alertar o poupador. Por exemplo, se uma pessoa idosa se aproxima do momento de receber os benefícios, a seguradora deve aconselhar o participante sobre a conveniência de reduzir o risco das aplicações. Em outras palavras, aqueles prestes a se aposentar são orientados a ter uma proporção maior de renda fixa (CDBs, Tesouro Direto) do que renda variável (ações, fundos imobiliários) na carteira de previdência.
A escolha da forma de usufruir dos benefícios também é afetada pelas resoluções 463/2024 e 464/2024. Anteriormente, a decisão ocorria quando o participante aderia ao plano, o que poderia resultar em situações como uma pessoa de 20 anos tendo que decidir como receberia os valores ao completar 65 anos. Com a mudança, a decisão pode ser tomada apenas quando o participante estiver se aproximando do período de fruição dos recursos acumulados.
Em relação à forma de receber o benefício, os participantes, de acordo com as novas regras, podem utilizar no cálculo da renda juros mais alinhados com os praticados pelo mercado no momento dos desembolsos. Independentemente de serem mais altos ou mais baixos do que no momento da adesão, eles serão condizentes com a situação econômica no período do recebimento da renda. “Isso torna o produto mais vantajoso, do ponto de vista econômico, trazendo um grande benefício para os consumidores e também para o mercado segurador”, avalia Adriana Hennig.
Uma mudança significativa é a maior liberdade para os participantes escolherem a forma como receberão a renda. Antes, havia a escolha entre receber todo o valor acumulado de uma só vez, de forma mensal por um período específico ou de forma vitalícia. Agora, o poupador pode fazer a escolha pouco tempo antes da fruição e até combinar diferentes formas, como escolher parte do acumulado em renda mensal por um período determinado e outra parte de forma vitalícia. “A renda deverá ter no mínimo um período de pagamento de cinco anos para preservar o caráter previdenciário do produto”, destaca a coordenadora da Susep.
As mudanças permitem também receber enquanto ainda estiver no período de acumulação ou até suspender a acumulação temporariamente enquanto recebe a renda, retomando os aportes posteriormente. Além disso, no caso da renda mensal, o valor não precisa ser linear e pode ser maior em um primeiro momento.
É importante salientar que todas as opções serão calculadas com base no montante acumulado pelos investidores. Uma modalidade de fruição vitalícia, por exemplo, terá valores mensais evidentemente menores do que aquela estipulada para o prazo de 5 anos.
Com a possibilidade de portabilidade, os participantes podem comparar as melhores condições oferecidas pelas seguradoras para receber o valor acumulado. Se encontrarem propostas interessantes em concorrentes, podem migrar parte do acumulado e receber rendas de duas seguradoras ao mesmo tempo, mesmo que já tenham contratado uma forma de renda com a primeira seguradora.
A confrontação entre as empresas é uma forma de abrir o mercado de previdência privada a mais concorrência, o que pode resultar em menos custos e mais vantagens para os participantes de planos. “O aumento da concorrência é extremamente saudável, principalmente quando estamos tratando de um mercado de sobrevivência bastante concentrado, em que 80% das provisões estão concentrados em quatro seguradoras”, observa Adriana Hennig.
Joaquim Gomes, especialista da RJ+ Investimentos, considera que o conjunto de mudanças, incluindo a modernização do processo de contratação de renda, “traz maior clareza aos participantes dos planos a respeito de sua liberdade para definir a empresa que deseja contratar a renda, ou seja, isso melhora a competitividade dada a maior capacidade de comparação que o investidor teria”.
As resoluções do CNSP incluem ainda uma regra para evitar brechas tributárias para famílias de super-ricos, o que desvirtuaria a finalidade do plano de previdência privada. Com a nova regra, um segurado não poderá manter mais que R$ 5 milhões em um plano VGBL quando ele e seus familiares detiverem mais que 75% das cotas do fundo de investimento atrelado ao plano. “Sem essa restrição, planos poderiam ser utilizados como forma de violar o princípio da isonomia tributária que a lei pretendeu garantir”, afirma a Susep.
Segundo Joaquim Gomes, é uma movimentação do governo para barrar uma estratégia de super-ricos em busca de brecha tributária, após a taxação dos chamados fundos exclusivos. “Para evitar que investidores façam esse movimento, o governo já se antecipou”, diz.
Com informações de R7