Pesquisadores destacam a relatividade da comparação entre o número de estabelecimentos religiosos, escolas e hospitais no Brasil, questionando as conclusões baseadas nos dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) no início deste mês.
O Censo 2022, que mapeou 111,1 milhões de estabelecimentos em todo o país, revelou que 579,8 mil são destinados a atividades religiosas, abrangendo diversas crenças, como igrejas, sinagogas, templos, centros espíritas e terreiros.
Em comparação, os estabelecimentos de ensino totalizam 264,4 mil, enquanto os de saúde somam 247,5 mil endereços. Esses dados compõem o Cadastro Nacional de Endereços para Fins Estatísticos (Cnefe).
É crucial observar que a análise leva em consideração a finalidade do imóvel, não a administração do estabelecimento. Por exemplo, uma escola católica é classificada como unidade de educação, não como local religioso, e o mesmo ocorre com um hospital mantido por uma santa casa, contabilizado como endereço de atividade de saúde.
Comparação
O professor Matheus Cavalcanti Pestana, da Escola de Comunicação, Mídia e Informação da Fundação Getulio Vargas (FGV), considera “alarmante” haver comparação apenas numérica. “São coisas incomparáveis justamente por atenderem públicos com focos diferentes, terem estruturas distintas. O indivíduo que vai à igreja também é atendido no hospital, estudou na escola.”
Pestana acrescenta que, mesmo se os dados fossem comparáveis, a conclusão não acrescentaria muita coisa. “Imagine uma comparação: no município X, temos mais escolas particulares que públicas. Mas quantos alunos são atendidos pelas particulares? Quantos pelas públicas? A dimensão da pública é muito maior”, justifica.
Preconceito
Pesquisador associado no Instituto de Estudos da Religião (Iser), Pestana diz que comparações que levem ao entendimento de que há muitas igrejas no país revelam algum grau de preconceito religioso.
“Foi perceptível, entre diversos comentaristas, que houve uma associação do ‘alto número de estabelecimentos religiosos’ com o fato de ‘a maioria desses locais ser composta por templos evangélicos’. Isso nunca foi dito”, critica o professor. Ele reconhece que outras pesquisas mostram, por exemplo, crescimento no número de igrejas evangélicas e ressalta que esta não é uma constatação do Censo.
Além disso, o professor observa que o IBGE não identifica a vinculação religiosa dos estabelecimentos. “Pode ser uma catedral católica que atende a milhares de fiéis, ou uma igreja evangélica que recebe dez pessoas, ou um terreiro de candomblé que está ali presente há gerações, ou um centro espírita”.
Pestana destaca que o Brasil é um país religioso, com formação religiosa plural e coexistência de diversos credos, o que deve ser um combustível para tolerância religiosa. “A tolerância é algo que deve vir não só entre as religiões, mas também dos segmentos não religiosos”, afirma.
Por fim, o professor acrescenta que também não cabe fazer comparações com outros países. “Cada local tem sua forma de desenvolvimento. Mas é absolutamente normal o Brasil ter mais igrejas do que escolas e hospitais.”
Estereótipo
Ronilso Pacheco, especialista do Iser, também expressa críticas em relação à comparação dos dados. Embora ele esteja aberto à possibilidade de um aumento no número de estabelecimentos religiosos no Brasil, utilizou a plataforma de mídia social X (anteriormente conhecida como Twitter) para questionar as comparações feitas. Em suas palavras, “Podemos debater esse crescimento, mas alguém teve a ideia equivocada de compará-lo com o número de escolas e hospitais, como se essas três entidades seguissem o mesmo processo de construção ou fossem instituições correlatas. Isso é um equívoco.”
“Resultado: analistas políticos e comentaristas passaram o dia comentando isso como se fosse razoável achar que para cada templo (não apenas de igreja) que se abre, uma escola e um hospital deixam de ser construídos ou perdem investimento ou relevância”, completou.
Ronilso compartilha da opinião de que críticas à quantidade de estabelecimentos no país recebem contornos de preconceito. “Além disso, claro, o reforço do estereótipo de que as igrejas crescem porque o Estado é ausente. Mais uma vez, vitória da ideia elitista de que as pessoas na periferia só são crentes porque são pobres e não têm assistência do Estado, não é mesmo?”, escreveu.
Com informções de Agência Brasil