O debate sobre o marco temporal de demarcação de terras indígenas voltou ao centro da agenda política em Brasília após o Senado Federal aprovar nesta terça-feira (9/12), em dois turnos, uma proposta de emenda à Constituição (PEC) que fixa 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição, como referência para o reconhecimento de terras indígenas no país, em meio a disputas jurídicas e políticas entre Congresso, Supremo Tribunal Federal (STF), governo federal e diferentes setores da sociedade.
O que é o marco temporal de demarcação de terras indígenas?
O chamado marco temporal da demarcação é uma tese jurídica e política segundo a qual os povos indígenas só teriam direito à demarcação de terras se estivessem ocupando essas áreas em 5 de outubro de 1988. A PEC aprovada no Senado busca inserir esse critério diretamente no texto constitucional, alterando de forma duradoura a interpretação sobre o que são terras tradicionalmente ocupadas.
A proposta também define que essas áreas seriam aquelas habitadas em caráter permanente, usadas para atividades produtivas, necessárias à preservação de recursos ambientais e à reprodução física e cultural dos povos, segundo seus usos, costumes e tradições. Na prática, o marco temporal de terras indígenas pretende limitar novas demarcações e rever o alcance de reivindicações já em discussão.
Como a PEC do marco temporal tramitou no Senado?
A PEC do marco temporal foi apresentada em setembro de 2023, logo após o STF considerar a tese inconstitucional em julgamento de grande repercussão. A proposta, de autoria do senador Dr. Hiran (PP-RR) e relatoria do senador Esperidião Amin (PP-SC), surgiu como reação legislativa à decisão da Corte e ao veto do governo federal à fixação de um marco para as demarcações.
Partes da lei ordinária aprovada sobre o tema foram vetadas pelo Executivo, mas a bancada ligada ao agronegócio articulou a derrubada desses vetos em dezembro de 2023. Paralelamente, o ministro Gilmar Mendes suspendeu processos judiciais sobre a lei do marco temporal e, em acordo com o Senado, foi criada uma comissão de conciliação, o que retardou, mas não impediu, o avanço da PEC diretamente ao plenário.
Quais são os próximos passos da PEC do marco temporal?
Com a aprovação no Senado, o marco temporal de demarcação de terras indígenas entra em nova fase na Câmara dos Deputados, onde o texto também precisará ser votado em dois turnos, com quórum qualificado. O debate tende a mobilizar novamente bancadas do agronegócio, representantes de povos indígenas, governo federal e partidos de diferentes espectros ideológicos.
Ao mesmo tempo, o STF continua a ter papel central, já que a tese do marco temporal foi considerada inconstitucional pela Corte. A tentativa de incluí-la na Constituição abre espaço para novas contestações, inclusive com base em cláusulas pétreas e em tratados internacionais de direitos humanos, o que deve manter o tema em destaque em 2025.
Quais são os impactos políticos, jurídicos e sociais do marco temporal?
Os efeitos da PEC do marco temporal se projetam em várias frentes, envolvendo direitos constitucionais, equilíbrio entre poderes e interesses econômicos do agronegócio e de atividades extrativistas. Especialistas alertam que, independentemente do desfecho legislativo, o tema permanecerá em pauta por envolver conflitos fundiários históricos e disputas locais.
Nesse contexto, diferentes atores passam a ser diretamente afetados, com potenciais consequências para a proteção ambiental e a organização do território brasileiro. Abaixo estão alguns dos principais impactos previstos:
- Para os povos indígenas: possível limitação a novos reconhecimentos territoriais e revisão de áreas reivindicadas, com risco de intensificar conflitos.
- Para o agronegócio: expectativa de maior previsibilidade sobre onde produzir, investir e expandir fronteiras agrícolas.
- Para o meio ambiente: risco de pressão adicional sobre florestas, rios e biomas sensíveis, já que muitas terras indígenas funcionam como barreiras ao desmatamento.
- Para o sistema de justiça: aumento da demanda por interpretações detalhadas de direitos constitucionais e decisões anteriores do STF.
FAQ sobre a PEC do marco temporal
A discussão sobre o marco temporal de terras indígenas gera inúmeras dúvidas, especialmente sobre diferenças entre lei e PEC, prazos de tramitação e alcance das decisões do STF. A seguir, alguns pontos fundamentais para entender o cenário atual e o que ainda pode acontecer.
- O que é a PEC do marco temporal? É uma proposta de emenda à Constituição que define 5 de outubro de 1988 como data de referência para que terras sejam reconhecidas como tradicionalmente ocupadas por povos indígenas.
- A PEC já está valendo? Não. Após a aprovação no Senado, o texto ainda precisa ser apreciado em dois turnos pela Câmara dos Deputados e, se aprovado, promulgado pelo Congresso.
- Qual é a diferença entre a lei do marco temporal e a PEC? A lei é uma norma infraconstitucional aprovada pelo Congresso e sujeita a vetos presidenciais e controle de constitucionalidade. A PEC altera diretamente a Constituição, exigindo quórum mais elevado e procedimento mais rígido.
- O STF pode voltar a analisar o marco temporal? Sim. Mesmo com mudança constitucional, podem surgir novas ações questionando a compatibilidade da emenda com cláusulas fundamentais e tratados internacionais de direitos humanos.