A Lei 14.905/2024 alterou de forma relevante a forma como são calculados a atualização monetária e os juros moratórios em débitos judiciais e em diversas relações civis. Desde 30 de agosto de 2024, a correção dos valores passou a seguir um padrão nacional baseado no IPCA e na Taxa Selic, afastando a diversidade de critérios antes adotados pelos tribunais estaduais, o que impacta diretamente advogados, contadores, empresas e pessoas envolvidas em processos judiciais envolvendo pagamento de quantias em dinheiro.
Lei 14.905/2024: o que mudou no Código Civil?
A Lei 14.905/2024, publicada em 1º de julho de 2024, promoveu alterações no art. 406 do Código Civil, definindo critérios objetivos para juros de mora e atualização monetária. O dispositivo passou a direcionar o uso da Taxa Selic como referência para os juros moratórios e do IPCA como índice oficial de correção. A vigência começou 60 dias após a publicação, em 30 de agosto de 2024, marcando o início efetivo da nova sistemática.
Um ponto central da lei é a determinação de que a Selic será utilizada para calcular os juros de mora, mas com um ajuste importante: deve ser deduzido o IPCA do período correspondente. Assim, a correção monetária não se mistura com os juros, evitando que haja contagem dupla da inflação. Caso essa dedução resulte em valor negativo, o texto legal estabelece que o resultado será igual a zero, impedindo a aplicação de juros moratórios naquele intervalo específico.
Como funciona a correção monetária pelo IPCA?
Com a Lei 14.905/2024, a atualização monetária passou a ser calculada exclusivamente pelo IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo), que é o principal indicador oficial de inflação no país. Esse índice reflete a variação média de preços de uma cesta de bens e serviços consumidos pelas famílias, sendo amplamente utilizado em políticas econômicas e decisões judiciais.
Na prática, o valor principal devido em um processo ou contrato é corrigido mês a mês com base na variação acumulada do IPCA. Esse procedimento substitui as antigas tabelas práticas de correção utilizadas por vários Tribunais de Justiça, que muitas vezes combinavam diferentes índices regionais. A partir de 30 de agosto de 2024, o IPCA se tornou o índice padrão nacional, reduzindo discrepâncias entre estados e facilitando a elaboração de cálculos por peritos e contadores.
- Correção incide apenas sobre o valor principal;
- O IPCA é aplicado de forma acumulada ao longo do tempo;
- Não há mais uso de índices locais ou tabelas estaduais de atualização;
- A correção é independente dos juros de mora.
Juros moratórios pela Taxa Selic: o que a Lei 14.905/2024 determina?
Os juros moratórios são devidos quando há atraso no cumprimento de uma obrigação, como o pagamento determinado em sentença ou previsto em contrato. Com a nova lei, esses juros passaram a ser calculados a partir da Taxa Selic, referência básica da economia brasileira. No entanto, a legislação estabeleceu um mecanismo específico: da Selic deve ser subtraída a inflação medida pelo IPCA relativa ao mesmo período.
Esse modelo tem como objetivo separar de forma clara o que é reposição da perda do poder de compra (correção monetária) e o que é penalidade pelo atraso (juros de mora). A lei ainda determina que, se a diferença entre Selic e IPCA for negativa, os juros são considerados zero naquele período, sem gerar desconto sobre o principal. Ou seja, não há “juros negativos”, apenas ausência de acréscimo de juros.
- Calcula-se a variação da Taxa Selic no período de mora;
- Apura-se a variação do IPCA no mesmo intervalo;
- Deduz-se o IPCA da Selic;
- Se o resultado for positivo, aplicam-se esses juros ao valor corrigido;
- Se o resultado for negativo ou zero, não há incidência de juros para o período.
Como ficam os cálculos em processos judiciais após 30 de agosto de 2024?
A partir da vigência da Lei 14.905/2024, os processos judiciais passaram a seguir esse novo padrão para apuração de débitos. Em ações de cobrança, indenizações, execuções e liquidações de sentença, a regra geral é a aplicação do IPCA para correção e da Taxa Selic ajustada para juros de mora, salvo se houver norma específica em sentido diverso ou disposição contratual válida.
Na fase de liquidação de sentença, o profissional responsável pelo cálculo precisa observar a data de início da correção, os marcos da mora e os períodos em que a lei é aplicável. Em muitos casos, será necessário dividir o cálculo em dois momentos: um anterior a 30 de agosto de 2024, seguindo as regras antigas e as tabelas dos tribunais, e outro posterior, sob o regime da Lei 14.905/2024. Essa divisão é fundamental para evitar distorções no valor final.
- Processos com mora iniciada antes de 30/08/2024 podem ter regime híbrido;
- Sentenças proferidas depois dessa data devem observar o novo critério;
- Contratos civis que remetam ao art. 406 tendem a seguir a mesma lógica;
- Planilhas de cálculo precisam indicar claramente quais períodos usam cada sistema.
Quais cuidados são importantes na aplicação da Lei 14.905/2024?
Com a mudança legislativa, a interpretação correta dos prazos e dos índices tornou-se um ponto sensível no dia a dia forense. Erros na identificação do marco inicial dos juros, na aplicação do IPCA ou na dedução entre Selic e IPCA podem alterar de forma relevante o valor apurado. Por isso, a elaboração de cálculos de liquidação tende a exigir maior atenção técnica de profissionais do direito e de especialistas em perícia contábil.
Além disso, a oscilação natural da Taxa Selic e da inflação faz com que o valor devido não siga uma progressão linear, como ocorria com o antigo padrão de 1% ao mês. Em alguns períodos, a diferença Selic – IPCA pode ser baixa, gerando juros menores; em outros, a diferença pode ser mais elevada, elevando o custo do atraso. A tendência é que, com o tempo, práticas de mercado, softwares de cálculo e entendimentos jurisprudenciais se ajustem a esse novo cenário, oferecendo ferramentas mais precisas para a aplicação das regras introduzidas pela Lei 14.905/2024.