O conceito de família no Brasil passou por uma transformação jurídica histórica, na qual o vínculo afetivo passou a ter o mesmo peso da biologia nos tribunais. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) consolidou o entendimento de que a paternidade ou maternidade socioafetiva produz os mesmos efeitos legais da filiação biológica, garantindo direitos plenos, inclusive no acesso à herança e a outras questões patrimoniais.
O que muda com o reconhecimento da paternidade socioafetiva?
Essa decisão estabelece que o vínculo afetivo, quando comprovado publicamente e de forma duradoura, não pode ser anulado apenas pela ausência de DNA. Na prática, filhos de criação que não foram registrados formalmente podem pleitear igualdade de direitos com os filhos biológicos.
A justiça entende que a posse de estado de filho, agir, tratar e ser reconhecido socialmente como filho, cria obrigações legais irrevogáveis. Isso impede que herdeiros biológicos excluam o irmão “de coração” da partilha de bens ou do recebimento de benefícios previdenciários.
Exemplo prático: como a lei da herança se aplica na vida real
Imagine o caso de “Carlos”, que criou a enteada “Ana” desde os dois anos de idade, provendo sustento, carinho e educação, embora nunca a tenha adotado oficialmente no papel. Após o falecimento de Carlos, os irmãos de sangue dele tentaram impedir que Ana recebesse parte da herança, alegando falta de registro civil.
Com base no novo entendimento, o juiz reconheceria Ana como herdeira legítima, garantindo sua fatia no patrimônio e o direito à pensão por morte. A decisão valoriza a realidade vivida pela família acima da formalidade burocrática, protegendo quem construiu uma relação de afeto genuína.
Quais provas são aceitas para garantir o direito?
Como não há exame genético para provar amor e convivência, a justiça aceita um conjunto probatório robusto para validar a filiação socioafetiva. Fotos em festas de família, comprovantes de pagamento de escola, declarações em redes sociais e testemunhas são fundamentais nesse processo.
Além disso, a dependência econômica e a apresentação social, ou seja, o falecido apresentava a pessoa como filho para a sociedade, são fortes indícios para o magistrado. É essencial reunir o máximo de evidências que demonstrem a intenção de ser pai ou mãe, conhecida juridicamente como animus domini.
Quais os principais efeitos jurídicos da decisão?
A equiparação total entre filhos biológicos e afetivos traz consequências imediatas para o planejamento sucessório e previdenciário das famílias brasileiras. Veja abaixo os direitos assegurados automaticamente após o reconhecimento judicial:
- Direito à Herança: O filho socioafetivo entra na partilha de bens concorrendo em igualdade de condições (mesma porcentagem) com os filhos biológicos.
- Pensão por Morte: É possível requerer junto ao INSS ou regimes próprios de previdência o benefício mensal, desde que comprovada a dependência ou a menoridade na data do óbito.
- Alteração do Nome: O reconhecimento permite a inclusão do sobrenome do pai ou mãe socioafetivo na certidão de nascimento, sem a necessidade de remover o nome dos pais biológicos (multiparentalidade).
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Qual o impacto nos inventários e testamentos?
Para quem deseja evitar disputas judiciais futuras, a recomendação é formalizar o vínculo ainda em vida, através de testamento ou reconhecimento voluntário em cartório. O planejamento sucessório torna-se uma ferramenta vital para garantir que a vontade do falecido seja respeitada e que os filhos de criação não fiquem desamparados.
Caso o reconhecimento ocorra apenas após a morte (post mortem), o inventário pode ser suspenso até que a ação de investigação de paternidade socioafetiva seja concluída. Isso pode travar a divisão de bens por anos, reforçando a necessidade de buscar orientação jurídica especializada o quanto antes.
Se você vive uma situação de parentalidade socioafetiva, procure um advogado especialista em direito de família para regularizar a documentação e assegurar o futuro de seus filhos.