O debate sobre o uso de celular por povos indígenas voltou ao centro das atenções após a circulação de um vídeo de bastidores com o apresentador Luciano Huck e comunidades do Xingu, no Mato Grosso, em que ele pede a retirada de celulares e peças de roupa do dia a dia para “não mexer na cultura original”, o que foi interpretado por entidades como exemplo de visão equivocada sobre a identidade indígena e o lugar da tecnologia na vida desses povos.
Por que a fala de Luciano Huck sobre celulares gerou tanta reação pública?
A palavra-chave central neste caso é a crítica à “visão equivocada” sobre o que é ser indígena. Para a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), a ideia de “limpar a cultura” passa a noção de que celulares ou roupas comuns diminuiriam a legitimidade da identidade indígena, ignorando direitos constitucionais e a pluralidade de modos de vida.
Em nota divulgada neste sábado (6/12), a Apib afirmou que ter um celular não torna ninguém menos indígena e reforçou que o acesso à tecnologia é um direito garantido a todos os cidadãos brasileiros. A entidade destacou que a indignação nas redes não se limita ao bastidor televisivo, mas aponta para estereótipos ainda presentes na sociedade e na mídia. Veja o momento da fala de Huck:
Para Luciano Huck, os indigenas devem continuar igual lá em 1500. Será que ele sabe que os índios andam de Hilux, usam Iphone, tem conta no Instagram e calçam tênis Nike? 🤔 Depois desse video vazar, @LucianoHuck tenta amenizar a burrada com aquele famoso pronunciamento. 😂 pic.twitter.com/OTkgAQ036z
— Jacieny Dias (@JacienyD) December 5, 2025
Como o celular se tornou ferramenta estratégica para povos indígenas?
Longe de ser elemento de descaracterização, o celular hoje é ferramenta estratégica para defesa de territórios, monitoramento ambiental e acesso à educação e à saúde. Em muitos casos, registros em vídeo e fotos são fundamentais para denunciar invasões, queimadas, violações de direitos e omissões do poder público.
Organizações indígenas e pesquisadores destacam que a tecnologia auxilia na articulação política, na divulgação de denúncias em tempo real e na construção de redes de solidariedade. O episódio com Huck, portanto, foi lido também como tentativa simbólica de afastar um instrumento de empoderamento e autorretrato dessas comunidades.
O uso de celular descaracteriza a cultura indígena?
A Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia (Coiab) afirmou que a fala do apresentador reforça a percepção perigosa de que indígenas existiriam apenas como imagem “exótica” para consumo midiático. As culturas indígenas, porém, são diversas, vivas e dinâmicas, em constante transformação em todos os biomas brasileiros.
Especialistas ressaltam que comunidades acessam internet, estudam em universidades, produzem conteúdo digital e participam de debates nacionais sem abandonar línguas, rituais e conhecimentos tradicionais. Nessa perspectiva, celulares, roupas variadas ou redes sociais expressam adaptação e atualização de modos de vida ancestrais, não sua ruptura.
Quem define o que é cultura indígena e autenticidade?
Para as entidades, quem define o que é “cultura original” não são apresentadores, produtores de TV ou espectadores, mas os próprios povos indígenas, por meio de suas lideranças e decisões coletivas. Questionar se o celular descaracteriza ou não identidade indígena envolve, no fundo, a autonomia para decidir modos de vida, tradições e caminhos futuros.
Esse debate está alinhado a marcos internacionais, como a Convenção 169 da OIT e a Declaração da ONU sobre os Direitos dos Povos Indígenas, que asseguram o direito à autodeterminação cultural. A reação ao vídeo reforça que a “autenticidade” não pode ser medida por ausência de tecnologia, mas pela continuidade de vínculos históricos, territoriais e comunitários.
Como Luciano Huck explicou o episódio?
Diante da repercussão do vídeo, Luciano Huck divulgou nota na qual diz que o pedido para retirar celulares teria sido decisão de direção de arte, um ajuste típico de bastidores, e não tentativa de impor limites culturais. Segundo ele, a intenção seria apenas construir uma estética específica para o quadro, sem interferir na rotina real da comunidade.
O apresentador declarou ainda que as escolhas sobre tradições e modos de vida pertencem exclusivamente aos povos indígenas. Apesar disso, entidades avaliam que o caso expõe como grandes produções ainda tratam culturas originárias a partir de filtros externos, priorizando uma imagem idealizada em vez da complexidade do cotidiano indígena no século XXI.
O que o caso revela sobre mídia, estereótipos e direitos indígenas?
O episódio expôs o embate entre a manutenção de imagens tradicionais, pensadas para agradar ao público, e a defesa de uma representação fiel, que reconheça os povos originários como sujeitos de direitos. Apib, Coiab e outros coletivos afirmam que não cabe à mídia determinar o que é ou não “autêntico” em aparência ou uso de tecnologia, mas sim respeitar a diversidade interna entre povos e aldeias.
Esse debate se conecta a um processo maior de transformação na forma como o Brasil enxerga os povos indígenas e sua participação na comunicação. Para entender melhor essa mudança, vale observar algumas práticas e tendências já em curso:
- Celular como instrumento de autorretrato: indígenas produzem vídeos, podcasts e reportagens próprias, disputando narrativas com mídias tradicionais.
- Coletivos de comunicação indígena: cineastas, jornalistas e influenciadores organizam redes que formam jovens comunicadores nas aldeias.
- Uso tecnológico na defesa territorial: aplicativos de navegação, imagens de satélite e gravações em campo ajudam a denunciar invasões e desmatamento.
- Ampliação da presença na mídia: cresce a participação de indígenas como repórteres, apresentadores, roteiristas e consultores em veículos de alcance nacional.
FAQ sobre Luciano Huck e indígenas
- Qual foi o pedido de Luciano Huck que gerou polêmica? Durante um vídeo de bastidores com comunidades do Xingu, Luciano Huck pediu a retirada de celulares e roupas do dia a dia para, segundo ele, “não mexer na cultura original”, o que foi criticado como uma visão equivocada sobre a identidade indígena.
- O que a Apib e a Coiab afirmam sobre a relação entre tecnologia e identidade indígena? Ambas as entidades (Apib e Coiab) afirmam que ter um celular ou usar roupas comuns não torna ninguém menos indígena. Elas defendem que as culturas indígenas são dinâmicas e que a tecnologia é uma ferramenta de empoderamento, não de descaracterização.
- Além de denúncias, como o celular é usado estrategicamente pelos povos indígenas? O celular é uma ferramenta estratégica para monitoramento ambiental, acesso à educação e à saúde, articulação política, e também para a produção de conteúdo próprio (autorretrato) que disputa narrativas com a mídia tradicional.
- Quem as entidades indígenas defendem que tem o direito de definir o que é “cultura indígena autêntica”? As entidades defendem que quem define o que é “cultura original” ou autêntica são os próprios povos indígenas, por meio de suas lideranças e decisões coletivas, alinhados ao direito à autodeterminação cultural.