O pedido de suspensão do decreto presidencial que ampliou a Terra Indígena Manoki, em Mato Grosso, gerou um significativo debate jurídico e social. O governador do estado, Mauro Mendes, ao entrar com a ação no Supremo Tribunal Federal (STF), questiona a constitucionalidade do ato, alegando que as terras em questão têm registos de ocupação por não índios desde a década de 1950. Isso, segundo Mendes, vai de encontro ao princípio do marco temporal estabelecido pela Constituição, que só permite a demarcação de terras nas quais havia presença indígena no momento da promulgação, em 1988.
A Procuradoria-Geral do Estado de Mato Grosso, representando o governador, argumenta que o decreto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva desconsidera a ausência de evidências de ocupação indígena à época exigida pela norma constitucional. Com base em registros históricos e jurídicos, a argumentação enfatiza que a área tem sido ocupada legalmente por famílias não indígenas por décadas. Além disso, o estado destaca que o ato presidencial desrespeita a Lei 14.701/2023, que reforça a impossibilidade de expandir terras já homologadas sob tal categoria.
Impactos Sociais e Fundiários
Além das questões jurídicas, o governo de Mato Grosso chama atenção para as consequências sociais e fundiárias do decreto. A expansão da terra indígena afetaria diretamente centenas de produtores rurais e suas famílias, que possuem títulos legítimos e Cadastros Ambientais Rurais reconhecidos pela legislação. Conforme apontado pela PGE, a ação do governo federal criaria um “caos jurídico”, caso fosse implementada sem a devida análise e diálogo com as partes interessadas.
Outro ponto de crítica da administração estadual é a falta de consulta prévia ao governo de Mato Grosso e ao município de Brasnorte, que seriam diretamente impactados pela demarcação. Essa ação unilateral, segundo o governo, fere o pacto federativo e a legitimidade do processo, ao não incluir os entes diretamente afetados nas discussões sobre a terra.
Posição do Governo Federal e Alterações Legislativas
Na visão do governo federal, liderado pelo presidente Lula, a demarcação de terras indígenas é uma obrigação constitucional que reforça os direitos dos povos originários à terra. O anúncio feito durante a COP30 em Belém reflete o compromisso da administração petista de ampliar a proteção e a demarcação de territórios indígenas, fundamental para a preservação ambiental e cultural. Lula destacou em seu discurso que atualmente cerca de 13% do território brasileiro está sob posse indígena, número que ele considera ainda insuficiente.
Contudo, essa posição federal enfrenta oposição no legislativo. A Comissão de Agricultura do Senado, por exemplo, solicitou esclarecimentos ao Ministro da Justiça sobre novas demarcações. Essa movimentação evidencia um embate entre a revisão do marco temporal pelo STF em 2023 e a recém-aprovada legislação congressual que busca restabelecer o conceito original do marco temporal.
Repercussões Nacionais e Internacionais
A controvérsia em torno da demarcação da Terra Indígena Manoki não é um caso isolado, mas parte de um cenário nacional de demarcações anunciadas pelo Governo Federal em várias regiões do país, incluindo o Mato Grosso, Pará, Amazonas, entre outros. Essas iniciativas têm atraído não só debates nacionais sobre a legalidade e os direitos de propriedade, mas também atenção internacional devido à relação com a preservação da Amazônia e as questões indígenas globamente.
Especialistas em direito ambiental e indígena apontam que o desafio central é encontrar um equilíbrio entre assegurar os direitos históricos dos povos indígenas e respeitar os direitos adquiridos pelas populações não indígenas. Essa questão requer um diálogo aberto e uma mediação efetiva que contemple os interesses das partes envolvidas.
FAQ – Perguntas Frequentes
- O que é o princípio do marco temporal? O marco temporal é um critério que determina que terras indígenas só podem ser demarcadas se os povos originários estiverem comprovadamente ocupando ou reivindicando essas terras na data de promulgação da Constituição, em 1988.
- Quantas terras indígenas existem em Mato Grosso? Atualmente, Mato Grosso possui 73 terras indígenas demarcadas, somando mais de 15 milhões de hectares, correspondendo a aproximadamente 16% do território estadual.
- Quais são as implicações do decreto presidencial para a comunidade não indígena na região? O decreto afeta diretamente produtores e famílias, muitos dos quais têm títulos legítimos e decisões judiciais que reconhecem sua posse, criando incertezas legais e sociais.
- Por que a demarcação de terras indígenas é importante para os direitos humanos? A demarcação de terras indígenas atende a direitos fundamentais dos povos originários de viverem e preservarem suas culturas em terras que consideram sagradas e ancestrais, conforme preceitos internacionais e nacionais.
- Quais são as ações possíveis para solucionar impasses sobre demarcações? Ações incluem mediação entre governo, comunidades indígenas e não indígenas, consultas públicas e harmonização das novas legislações com a Constituição.