O governo brasileiro acompanha com crescente apreensão a situação do deputado federal Alexandre Ramagem, que deixou o Brasil rumo aos Estados Unidos para evitar o cumprimento da pena superior a 16 anos de prisão imposta pelo ministro Alexandre de Moraes, no âmbito das investigações sobre tentativa de golpe de Estado. A fuga, que já provocou turbulência política em Brasília, acendeu um alerta ainda mais grave entre integrantes do Planalto, da comunidade de inteligência e de setores próximos ao STF.
O temor não é apenas político. Ramagem não é um parlamentar comum. Antes de ingressar na vida pública, construiu uma longa carreira na Polícia Federal, instituição que hoje opera em forte alinhamento com o governo Lula e com o Supremo Tribunal Federal, sendo considerada peça-chave no aparato de segurança e inteligência do Estado. O conhecimento de Ramagem sobre protocolos internos, bastidores operacionais e fluxos de informação da PF já seria suficiente para causar desconforto.
Mas a preocupação maior está em outro ponto: Ramagem foi diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) durante o governo Jair Bolsonaro. Ele não apenas ocupou o cargo, esteve no centro de alguns dos períodos mais politicamente tensos, com acesso privilegiado a dados sensíveis sobre inteligência, contrainteligência, comunicações internas, monitoramentos e protocolos estratégicos.
Segundo fontes no governo, informações desse tipo, em mãos de qualquer país estrangeiro, teriam enorme valor. Em mãos de um político condenado, sob perseguição judicial alegada por ele e inserido em ambiente político polarizado, tornam-se ainda mais imprevisíveis.
O Planalto teme que Ramagem possa negociar, por proteção, por conveniência política ou por interesse estratégico, relatórios, comunicações, detalhes de operações sensíveis e até mapas de vulnerabilidades institucionais. Nos EUA, onde já se encontra, o acesso a advogados, parlamentares, think tanks e organismos ligados à segurança hemisférica poderia abrir portas que Brasília não consegue mais monitorar.
Há ainda outro fator sensível: informações envolvendo a estrutura de inteligência da América Latina. Durante sua gestão, Ramagem manteve contato com sistemas cooperativos entre países do continente e teve acesso a dossiês regionais. A eventual exposição desses conteúdos redesenharia o tabuleiro de inteligência no hemisfério.
O receio dentro do governo Lula é que, longe do alcance judicial brasileiro e imerso em um ambiente geopolítico mais complexo, Ramagem se torne um ativo valioso, para adversários internos, para aliados de Bolsonaro que vivem nos EUA ou até para órgãos estrangeiros.
No Planalto, a ordem é evitar declarações oficiais e agir com discrição. Nos bastidores, porém, a palavra mais ouvida é “risco”. E não apenas político. Mas estratégico. Nacional. E regional.
A fuga de Ramagem não encerra apenas um capítulo da disputa entre o STF e setores do bolsonarismo, inaugura uma nova fase, de tensão silenciosa, sobre o que ele sabe. E para quem poderá contar.
Por Júnior Melo
