A recente proposta de reforma administrativa no Brasil trouxe diversas alterações significativas, cujas implicações merecem cuidadosa análise. Um dos principais pontos de debate é o novo § 11-D do artigo 37 da Constituição, que pretende regular o reconhecimento e o pagamento retroativo de valores devidos a servidores públicos. Esta medida sugere que tais reconhecimentos sejam feitos exclusivamente através da via judicial, eliminando qualquer possibilidade de resolução administrativa dos débitos.
O contexto atual permite que a administração pública, ao reconhecer erros e omissões, realize pagamentos retroativos de forma administrativa. Esse processo exige apenas o empenho e a execução orçamentária, sem a necessidade de um precatório. Já o regime de precatórios, por sua vez, é acionado apenas quando a obrigação é imposta judicialmente. Essa dualidade respeita a autonomia administrativa ao exigir que a própria administração corrija seus erros sem intervenção judicial.

Qual é o impacto do novo § 11-D na administração pública?
O novo § 11-D transforma profundamente a administração pública brasileira, ao limitar a sua capacidade de corrigir seus próprios erros internamente. Com a exigência de decisão judicial transitada em julgado, a proposta retira da administração sua função de autotutela, transformando-a em uma mera executora de sentenças.
Esta mudança não apenas impede a resolução administrativa de débitos, mas também cria barreiras ao reconhecimento individual de direitos, dificultando o acesso à justiça para questões que não se baseiam em precedentes qualificados dos tribunais superiores.
O que caracteriza um ‘precedente qualificado’ na proposta de reforma?
O conceito de ‘precedente qualificado’, embora central para a implementação do § 11-D, permanece impreciso. Supõe-se que se refere a mecanismos como repercussão geral ou recursos repetitivos, destinados à uniformização jurisprudencial.
Contudo, a falta de clareza sobre o alcance dessa qualificação gera insegurança jurídica. Como resultado, muitos direitos administrativos que surgem de circunstâncias específicas, como erros de cálculo ou atrasos em progressões funcionais, ficariam sem proteção, pois não atingem o status de precedentes qualificados.
Quais são as implicações constitucionais do novo § 11-D?
O novo § 11-D desafia princípios constitucionais fundamentais, incluindo a inafastabilidade da jurisdição, que garante a todos o acesso à justiça. Ao condicionar a proteção de direitos à existência de um precedente qualificado, cria-se um filtro legal que limita o direito de ação.
Ademais, impede que o servidor possa procurar a apreciação judicial de direitos que não correspondem a casos previamente aprovados pelos tribunais superiores, estabelecendo uma barreira que restringe a justiça a demandas padronizadas.
Em suma, enquanto a reforma busca racionalizar gastos e aumentar a eficiência, as mudanças propostas podem, paradoxalmente, tornar os processos mais lentos e dispendiosos. Ao enfraquecer a capacidade de autogestão dos órgãos administrativos e restringir o acesso à justiça, o § 11-D ameaça tanto a autonomia administrativa quanto os direitos fundamentais dos servidores públicos.