O desenvolvimento do captopril, um dos medicamentos mais utilizados mundialmente para tratamento da hipertensão arterial, tem uma origem surpreendente: o veneno da jararaca brasileira. Esta descoberta revolucionária da década de 1960 transformou uma substância letal em um medicamento que salva milhões de vidas.
A história científica por trás dessa transformação envolve pesquisa brasileira de ponta, química medicinal avançada e o trabalho pioneiro de cientistas que viram potencial terapêutico onde outros viam apenas perigo. Compreender como o veneno de uma cobra se tornou remédio para o coração revela a importância da ciência nacional e da pesquisa com produtos naturais brasileiros.
Como o veneno da jararaca se transformou em medicamento para pressão alta?
O captopril surgiu a partir da descoberta revolucionária do farmacologista brasileiro Sérgio Henrique Ferreira, da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP. Na década de 1960, Ferreira identificou no veneno da Bothrops jararaca uma substância chamada teprotida, que pertence à família dos peptídeos potenciadores da bradicinina.
Essa substância demonstrou capacidade extraordinária de reduzir a pressão arterial ao inibir a enzima conversora de angiotensina (ECA). A descoberta do chamado Fator de Potenciação da Bradicinina foi feita em colaboração com o farmacologista Maurício Rocha e Silva e inspirou uma nova classe de fármacos contra hipertensão arterial, conforme documentado pela Academia Brasileira de Ciências.
Quem foi Sérgio Henrique Ferreira e qual sua importância para a medicina?
Sérgio Henrique Ferreira nasceu em Franca, interior paulista, em 1934 e se tornou um dos principais cientistas brasileiros do século XX. Formado em medicina pela USP em 1960, com doutorado em farmacologia pela FMRP e pós-doutorado na Inglaterra, Ferreira dedicou sua carreira à pesquisa de substâncias bioativas.
Membro da Academia Brasileira de Ciências e da Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos, o pesquisador foi presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) entre 1995 e 1999. Por seus estudos pioneiros, recebeu em 1983 o Prêmio Ciba Award For Hypertension Research, outorgado pela American Heart Association, juntamente com cientistas da Bristol Myers Squibb. Ferreira faleceu em 2016, aos 81 anos, deixando um legado científico inestimável para a farmacologia mundial.
Como funciona o mecanismo de ação dos inibidores da ECA no organismo?
O sistema renina-angiotensina-aldosterona é fundamental para o controle da pressão arterial no organismo humano. A enzima conversora de angiotensina (ECA) transforma a angiotensina I em angiotensina II, uma das substâncias vasoconstritoras mais potentes do corpo humano, que também estimula a secreção de aldosterona pelo córtex da suprarrenal.
Quando a ECA é inibida pelo captopril, a angiotensina II não se forma adequadamente, resultando no relaxamento dos vasos sanguíneos e consequente redução da pressão arterial. Segundo revisão da Cochrane, os inibidores da ECA reduzem em média 8 mmHg na pressão sistólica e 5 mmHg na diastólica. Esse mecanismo também beneficia pacientes com insuficiência cardíaca, pois reduz a sobrecarga do coração.
Como o Professor Lucas Moreno explica a transformação química do veneno em medicamento oral?
A teprotida, peptídeo extraído do veneno da jararaca, apresentava um problema fundamental para uso clínico: sua natureza peptídica. Como explica o Professor Lucas Moreno em suas aulas de química, todos os peptídeos são degradados rapidamente no estômago pelas enzimas digestivas, tornando impossível sua administração por via oral.
Esse obstáculo levou ao desenvolvimento da química medicinal aplicada ao projeto. Baseando-se na estrutura da teprotida e em analogias com dipeptídeos gerados pela degradação da angiotensina pela ECA, os cientistas David Cushman e Miguel Ondetti criaram uma molécula sintética mais estável: o captopril. Este medicamento contém uma parte da prolina e um grupo sulfidril, mantendo a eficácia terapêutica mas permitindo administração oral.
Qual a importância do captopril para o tratamento da hipertensão atualmente?
O captopril foi o primeiro inibidor da ECA desenvolvido para uso clínico mundial e permanece amplamente utilizado no tratamento da hipertensão arterial. Todos os inibidores da ECA são igualmente eficazes no tratamento da hipertensão em doses equivalentes, conforme documentado em literatura médica especializada.
Os principais benefícios clínicos do captopril incluem:
- Redução média de 8 mmHg na pressão sistólica e 5 mmHg na diastólica
- Diminuição de internamentos relacionados com insuficiência cardíaca
- Melhoria da tolerância ao exercício físico e qualidade de vida
- Não necessita conversão hepática, sendo preferido para pacientes com insuficiência hepática grave
- Administração oral simples e eficaz
- Prolongamento da expectativa de vida em pacientes cardiovasculares
Como a descoberta brasileira beneficiou a indústria farmacêutica mundial?
A descoberta de Sérgio Henrique Ferreira teve impacto econômico gigantesco na indústria farmacêutica global. Embora a pesquisa tenha sido desenvolvida no Brasil na década de 1960, a patente do captopril foi registrada por laboratórios estrangeiros, gerando bilhões de dólares anuais em faturamento mundial.
O desenvolvimento de medicamentos a partir do captopril criou uma família completa de inibidores da ECA, incluindo enalapril, lisinopril, ramipril e outros, amplamente prescritos em todo o mundo. Essa situação exemplifica como o Brasil, apesar de possuir rica biodiversidade e competência científica, frequentemente não consegue transformar descobertas nacionais em produtos comercializados pela indústria local.
Que outras aplicações médicas derivam do veneno da jararaca?

Pesquisas contemporâneas continuam explorando o potencial farmacológico do veneno da Bothrops jararaca. Estudos recentes do Instituto Butantan identificaram mais de 100 peptídeos no veneno da jararaca-do-norte, muitos com potencial para desenvolvimento de novos medicamentos.
As principais áreas de pesquisa incluem:
- Novos medicamentos cardiovasculares com mecanismos diferentes dos inibidores da ECA
- Peptídeos que atuam no sistema nervoso central reduzindo pressão e frequência cardíaca
- Substâncias com propriedades antibacterianas contra infecções resistentes
- Compostos antifúngicos para tratamento de micoses
- Moléculas antivirais com potencial terapêutico
- Substâncias anticancerígenas para diferentes tipos de tumores
- Medicamentos para controle do barorreflexo em hipertensos
Quais fontes científicas validam essas informações sobre o captopril?
As informações apresentadas são respaldadas por instituições científicas renomadas e publicações acadêmicas de alta qualidade. A trajetória de Sérgio Henrique Ferreira está documentada pela Academia Brasileira de Ciências, FAPESP, CAPES e Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).
Os mecanismos farmacológicos do captopril foram validados através da Cochrane Library, que realizou revisão sistemática sobre inibidores da ECA, e manuais técnicos da Sociedade Brasileira de Cardiologia. Estudos sobre o veneno da jararaca foram confirmados através de pesquisas do Instituto Butantan, Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) e publicações científicas em revistas internacionais como Journal of Venomous Animals and Toxins e Molecular & Cellular Proteomics.