A China está revolucionando a aquicultura mundial com um projeto ambicioso que despeja 30 bilhões de animais marinhos nos oceanos anualmente. Esta iniciativa sem precedentes representa uma tentativa gigantesca de reverter décadas de pesca excessiva e colapso das pescarias, como explica o renomado biólogo e educador Paulo Jubilut, graduado em Ciências Biológicas pela UFSC e mestre em Ciência e Tecnologia Ambiental pela UNIVALI.
Paulo Jubilut, conhecido por seu canal no YouTube com mais de 3 milhões de inscritos e reconhecido como o maior influenciador de biologia do Brasil, analisa esse fenômeno como um “verdadeiro tsunami animal” que poucos imaginam. O especialista, que já participou da COP26 como representante brasileiro, descreve essa estratégia chinesa como algo digno de um episódio de Black Mirror, mas com implicações reais para o futuro dos oceanos.
Por que a China está criando 169 fazendas marinhas gigantescas no oceano?
A China construiu 169 “fazendas marinhas demonstrativas nacionais” desde 2015, incluindo estruturas como Genghai No. 1, uma instalação de 12 mil toneladas que funciona como laboratório flutuante. Essas estruturas surgem como resposta direta ao colapso das pescarias chinesas, onde as capturas nas águas costeiras chinesas caíram 18% em menos de uma década.
Com 1,4 bilhão de habitantes, a China é indiscutivelmente a superpotência global da pesca, possuindo a maior frota pesqueira e mais da metade das fazendas de peixes do mundo. O país consome mais peixe que Estados Unidos, União Europeia, Japão e Índia combinados, duplicando ainda esse valor. Diante dessa demanda colossal e da degradação ambiental causada por décadas de pesca predatória, essas fazendas representam uma estratégia de sobrevivência alimentar.
Como funcionam exatamente essas fazendas marinhas futuristas?
As fazendas marinhas chinesas combinam tecnologia avançada com aquicultura em escala industrial. Uma instalação típica é equipada com tecnologia 5G e inteligência artificial, com robôs submarinos para patrulhas subaquáticas e “gaiolas inteligentes” que coletam dados ambientais quase em tempo real. Os peixes são criados em compartimentos controlados, alguns recebendo treinamento em esteiras aquáticas para melhorar suas chances de sobrevivência no ambiente selvagem.
Desde 2015, essas instalações implantaram 67 milhões de metros cúbicos de recifes artificiais, plantaram uma área equivalente ao tamanho de Manhattan com gramíneas marinhas e liberaram pelo menos 167 bilhões de peixes e moluscos no oceano. O processo inclui a criação de habitats artificiais submarinos para abrigar diferentes espécies e facilitar a reprodução natural.
O pepino do mar realmente é a estrela desse projeto chinês?
Um improvável “garoto-propaganda” se destacou: o pepino-do-mar. Esse animal espinhoso, que vive no fundo do mar, tem um comportamento semelhante às vieiras japonesas, permanecendo próximo ao local onde é liberado, o que facilita sua captura. Paulo Jubilut estava certo ao destacar essa espécie peculiar como protagonista do programa.
Somente na China, o mercado para sua carne vale US$ 3 bilhões por ano, e no norte da China, os pepinos-do-mar são altamente valorizados e estão entre os pratos mais caros nos cardápios de Yantai, onde são servidos picados e cozidos com cebolinha. O animal possui propriedades medicinais comprovadas na medicina tradicional chinesa, sendo usado como anti-inflamatório e tendo atividades antitumorais, antivirais e antibacterianas demonstradas em laboratório.
Quais são os investimentos bilionários por trás desse projeto?
O cultivo marinho recebeu um grande impulso do governo, sendo considerado um caso ideal para a agenda de “civilização ecológica” do presidente Xi Jinping, que visa um crescimento sustentável de longo prazo. Desde 2015, o cultivo foi incluído em sucessivos Planos Quinquenais, os principais documentos de planejamento da China —, com investimentos iniciais de ¥11,9 bilhões (US$ 1,8 bilhão).
A meta é liberar 30 bilhões de juvenis de peixes e moluscos anualmente até 2025. O governo planeja expandir significativamente esses investimentos, com o próximo Plano Decenal prevendo aumentar o número de fazendas-piloto de 200 para 350 até 2035, cada projeto recebendo investimentos dez vezes maiores que os atuais.
Essa estratégia chinesa realmente funciona ou é apenas especulação científica?
A eficácia das fazendas marinhas chinesas ainda é objeto de intenso debate científico. Pesquisadores chineses afirmam que agora é o momento de avaliar as lições aprendidas com a rápida implantação das fazendas marinhas até o momento. Como observou Paulo Jubilut, os cientistas realmente não têm certeza absoluta se essa abordagem funciona a longo prazo.
Locais com recifes artificiais mostraram maior diversidade de espécies comerciais importantes e maior biomassa do que áreas adjacentes, indicando resultados positivos iniciais. Entretanto, estudos internacionais mostram resultados mistos: no Japão, o cultivo de vieiras foi altamente lucrativo, mas outros projetos de repovoamento oceânico foram economicamente inviáveis. Há também preocupações sobre a introdução de traços geneticamente prejudiciais às populações selvagens.
Qual o contexto global da aquicultura segundo dados oficiais da FAO?
A produção global de aquicultura e pesca atingiu um novo recorde em 2022 com 223,2 milhões de toneladas, um aumento de 4,4% em relação a 2020. Pela primeira vez na história, a aquicultura superou a captura pesqueira, que respondeu por 92,3 milhões de toneladas em 2022, demonstrando a crescente importância dessa atividade para a segurança alimentar mundial.
Os alimentos de animais aquáticos fornecem proteínas de alta qualidade – 15% das proteínas animais e 6% das proteínas totais no mundo – e nutrientes essenciais como ácidos graxos ômega-3, minerais e vitaminas. A FAO projeta que a produção continuará crescendo, atingindo 205 milhões de toneladas até 2032, evidenciando que iniciativas como as fazendas marinhas chinesas podem ser cruciais para alimentar a população mundial crescente.