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O valor é pago com dinheiro público pelo Exército. O benefício é garantido a parentes de militares expulsos das Forças Armadas — entre eles, os que foram excluídos por cometer crimes.
Os parentes recebem “herança” antecipada porque ex-militares podem ser enquadrados na categoria de “mortos fictos”, originalmente reservada aos desaparecidos sem comprovação de morte. Um levantamento do UOL mostrou que o Exército gasta R$ 19,7 milhões ao ano em pensões a parentes de militares expulsos.
O Escândalo da Pensão de Franklin Veras de Araújo Junior
Em 2003, um menino de 12 anos foi levado à Corte da Justiça Militar para confirmar o abuso que havia sofrido no Colégio Militar do Recife, onde estudava. Segundo seu depoimento, o sargento Franklin Veras de Araújo Junior, professor da banda da escola, o levou ao banheiro, trancou a porta, mostrou o pênis e pediu ao aluno que tocasse seu órgão genital.
Franklin exibia fitas pornográficas aos alunos e só autorizava as crianças a pegar em instrumentos musicais se elas lhe beijassem primeiro, contou o menino. O ex-sargento, que tentou convencer os pais do garoto a retirar a denúncia, negou todas as acusações à Corte. Disse que era evangélico e não gostava de pornografia. Outros militares do colégio depuseram a seu favor, sugerindo que a criança era culpada pela atitude “reprovável” por ter “comportamento homossexual”.
Como a Justiça Civil Conduziu o Caso?
Livre das acusações, Franklin prosseguiu na carreira militar em Porto Velho (RO). Em 2011, porém, foi acusado de abusar sexualmente de pelo menos cinco crianças e adolescentes que frequentavam o curso de música da Igreja Adventista Central da Capital. Dessa vez, a Justiça Civil o considerou culpado.
A pensão vitalícia de R$ 12 mil deixada por Franklin é paga a sua esposa, Adriana Gomes Barbosa Veras. Mas, como os dois permanecem casados, o ex-militar condenado acaba se beneficiando indiretamente do dinheiro. Em 2018, o casal se mudou para São Luís. Franklin abriu uma microempresa de lava a jato e “estética automotiva”, a BCAR, quatro anos depois. Ela foi extinta no fim do mesmo ano. Adriana, sua esposa, abriu em 2023 outra empresa no mesmo endereço — também de lavagem, lubrificação e polimento de veículos. O registro se mantém ativo no site da Receita Federal.
O Impacto dos Abusos no Colégio Militar
“Minha vida nunca mais foi a mesma depois daquilo”, diz Rafael Henriques, o menino desacreditado pela Justiça Militar ao denunciar abusos do ex-sargento. “Em nenhum momento me senti seguro naquela audiência. Eles [o juiz militar e os advogados] jamais olharam para mim como abusado, mas como o abusador. Eu estava descobrindo minha sexualidade na época. Não sei se foi o fato de eu ser homossexual que os levou a isso.”
Ao UOL, Rafael diz que os abusos eram rotina no Colégio Militar. “Observei que outros alunos saíam muito atordoados dessa sala. Aí eu identifiquei que estava acontecendo a mesma coisa com eles.” Rafael comentou com um amigo da sala o episódio no banheiro. O colega contou para a mãe, que procurou o Colégio Militar para denunciar o caso.
- Rafael se fechou por completo após o julgamento.
- Sentia-se culpado e não conseguia mais fazer amigos.
- Os colegas de turma passaram a cobrá-lo pela acusação contra o sargento.
- Fez uma dinâmica com a psicóloga do Colégio Militar, onde uma aluna disse que tinha esquecido que Rafael existia.
- O pai, também militar, foi deslocado para o Amazonas, onde Rafael pôde construir uma vida nova.
Por que Franklin Ainda Recebe Pensão?
Apesar da condenação, Rafael não considera que a Justiça tenha sido feita, já que o sargento ainda usufrui de uma pensão de R$ 12 mil, paga à esposa em razão de sua demissão do Exército. “É completamente errado que eles continuem ganhando dinheiro público depois da condenação. Para mim, ele não tem esse direito.” Rafael também acredita que, se o sargento tivesse sido punido antes, outras vítimas poderiam ter sido poupadas.
Saber que Franklin continuou fazendo vítimas depois de sua própria denúncia é algo que ainda machuca Rafael profundamente. Ele acredita que o sistema falhou não apenas com ele, mas com inúmeras outras crianças e adolescentes que poderiam ter sido poupadas desse trauma. A condenação e posterior concessão de pensão ainda é uma ferida aberta para aqueles que sofreram nas mãos de Franklin.
Este caso levanta questões sérias sobre a alocação de recursos públicos e a necessidade de revisão na concessão de benefícios para ex-militares expulsos por crimes. Com os atuais R$ 19,7 milhões anuais sendo gastos em pensões para parentes de militares expulsos, muitos questionam se essas verbas não poderiam ser mais bem utilizadas em benefício da sociedade.