No ano passado, a autoridade máxima em saúde pública dos Estados Unidos, Vivek Murthy, publicou um relatório que deixa claro que não há “evidências suficientes para determinar se as redes sociais são suficientemente seguras para crianças e adolescentes”. Esta manifestação é um marco importante, semelhante àquelas que destacaram os riscos do tabagismo, gerando um profundo impacto na sociedade.
Dois meses depois, a Unesco lançou um relatório apontando os efeitos nocivos das telas no desempenho acadêmico dos alunos. Esse documento revelou que um em cada quatro países já adotou regras para restringir o uso de celulares nas escolas. Os alertas acenderam o debate sobre os riscos e estratégias para minimizar o uso de telas e redes sociais entre os mais jovens.
Quais são os riscos do uso excessivo de redes sociais para crianças e adolescentes?
Daniel Becker, pediatra e professor do Instituto de Estudos em Saúde Coletiva da UFRJ, enfatiza que, embora muitos efeitos ainda estejam sendo estudados, as pesquisas já revelam importantes problemas: distúrbios cognitivos, perda de aprendizado, comportamentos alterados, sedentarismo, miopia, fraqueza muscular e perturbações no sono são alguns dos principais impactos.
Neste mês, uma revisão de 12 estudos realizada pelo University College of London mostrou que adolescentes com dependência em internet sofrem alterações no cérebro, afetando a capacidade intelectual e a saúde mental. O especialista em psicologia de vícios Miguel Vallejos Flores complementa que a busca por gratificação instantânea e interação social veloz altera a química cerebral, criando dependência psicológica.
O que os especialistas dizem sobre o uso de redes sociais por jovens?
A psicóloga Abril María Arias Taveras da República Dominicana relata casos de crianças que chegam a fazer suas necessidades fisiológicas na cadeira para não largar os aparelhos. Ela aponta agressividade, distúrbios do sono e déficit de atenção como problemas comuns em seu consultório devido ao uso excessivo de dispositivos.
Em 2023, estudantes de um colégio no Peru usaram inteligência artificial para criar material pornográfico, vendido online, demonstrando o mau uso das tecnologias. A advogada Virginia Nakagawa alerta para os perigosos desafios digitais, como o “Desafio do Desmaio”, que levou cinco adolescentes ao hospital em 2022.
Como as escolas estão lidando com o uso de celulares?
No Brasil, o programa EducaMídia ajuda professores a ensinar análise crítica de conteúdos, enquanto a proibição de celulares em sala de aula tem se mostrado efetiva em diversos países. No Rio de Janeiro, a medida foi implementada em 2023, ganhando apoio de pais e educadores.
Países como Portugal, Espanha e alguns estados americanos também restringem o uso de celulares nas escolas. Em Buenos Aires, uma resolução similar está para ser publicada, enquanto a Cidade do México já limita o uso dentro das salas de aula. Luz María Guzmán, diretora de uma escola no México, reconhece a gravidade do problema e reforça a necessidade de regulamentação.
As famílias e o uso de telas
Melina Furman, doutora em Educação, sugere acordos familiares para limitar o uso de telas. Delongar a entrega do primeiro celular e exemplificar comportamentos saudáveis são outras recomendações. Alejandro Castañeda, pai colombiano, enfatiza a importância de um processo educativo contínuo sobre o uso seguro da internet.
Daniel Becker menciona movimentos de pais que criam comunidades para adiar o uso de celulares pelas crianças, quebrando o argumento de que “todo mundo tem menos eu”. Gonzalo Arauz, fundador do movimento Infância Sem Smartphones, ressalta a importância de adiantar essas discussões.
Quais são as iniciativas do poder público?
O governo brasileiro está criando o primeiro guia oficial para o uso consciente de telas, envolvendo sete ministérios e 20 organizações da sociedade civil. A previsão é que o documento seja lançado até o fim do ano, esclarecendo a diferença de impacto entre diferentes tipos de mídia.
Ricardo Horta, especialista em Neurociência e Direito, explica que as redes sociais são projetadas para capturar a atenção do usuário constantemente, criando uma dependência perigosa. Ele aponta a necessidade de regulamentações mais rigorosas para proteger os jovens.
Plataformas e seus desafios
Pesquisas como a TIC Kids Online Brasil 2022 e o Kids Online no Uruguai 2023 mostram que uma grande porcentagem de jovens está ativa nas redes sociais, muitas vezes sem controle etário adequado. Plataformas como Facebook, Instagram e TikTok tentam moderar conteúdo e impor restrições, mas ainda há muito a ser feito.
Em um experimento recente, um perfil falso de jovem de 13 anos no TikTok recebeu conteúdos prejudiciais em menos de 30 minutos, evidenciando a falha das empresas em moderar efetivamente o conteúdo. Ricardo Horta menciona que leis mais rígidas poderiam obrigar as plataformas a serem mais diligentes.
A discussão é global, e as soluções incluem garantir que menores de 13 anos não acessem as redes, além de implementar e efetivar medidas adicionais para tornar esses ambientes mais seguros para as crianças. Os riscos são muitos, mas as práticas e políticas corretas podem fazer a diferença.
Para enfrentar esse desafio, é crucial a união de especialistas, educadores, famílias, governos e plataformas em busca de um uso seguro e consciente das tecnologias digitais.