Imagem: Lucas Martins/Futura Press/Estadão Conteúdo
Mais de 42 mil pessoas não estariam presas se o porte de até 25 gramas de maconha fosse considerado uso pessoal, conforme defendem alguns ministros do STF. Os dados são do Atlas da Violência 2024, produzido pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
O que aconteceu
Segundo a pesquisa, 42.631 detentos não estariam no sistema prisional brasileiro se até 25 gramas de maconha e 10 gramas de cocaína fossem consideradas quantidades para uso pessoal, e não para tráfico. A libertação dessas pessoas poderia significar uma economia de R$ 1,3 bilhão por ano para o Estado.
Os números seriam ainda maiores se fosse adotado o limite de até 100 gramas de maconha e 15 gramas de cocaína. Nesse caso, 67.583 pessoas poderiam ser beneficiadas, representando uma economia de aproximadamente R$ 2,1 bilhões por ano. “Trata-se de recursos desperdiçados, que poderiam ter uma destinação muito mais nobre e eficaz para melhorar as condições de segurança”, disseram os pesquisadores no relatório.
Os cenários testados pela pesquisa foram considerados “compatíveis com padrão de uso”, segundo especialistas. “O estabelecimento de critérios objetivos — quantidades de referência para os aplicadores da lei penal de drogas — favoreceria maior racionalidade, justiça e equidade nessa distinção entre usuários e traficantes”, diz o texto.
Decisão do STF
Na terça-feira (25), o STF decidiu que não é crime portar maconha para uso pessoal. Em um julgamento que já dura nove anos, oito dos 11 ministros votaram a favor de tratar o porte de maconha apenas como um ato ilícito, sem natureza penal.
Os ministros estão votando, a partir desta quarta-feira (26), para definir a quantidade que diferencia usuário de traficante. A proposta com maior apoio até o momento é a do ministro Alexandre de Moraes, que sugeriu que são usuários aqueles que portarem de 25 a 60 gramas de maconha ou até seis plantas fêmeas. Moraes baseou sua sugestão em um levantamento sobre a quantidade média de drogas apreendidas no estado de São Paulo entre 2006 e 2017. Seu entendimento foi seguido pelos ministros Gilmar Mendes, Cármen Lúcia e Rosa Weber, agora aposentada e substituída pelo ministro Flávio Dino.
Contexto legal
A Lei de Drogas em vigor no Brasil, aprovada em 2006 durante o primeiro governo Lula, estabelece que é crime comprar, possuir, transportar e cultivar drogas para uso pessoal, mas sem pena de prisão. Os infratores são punidos com advertência, serviço comunitário ou medidas educativas. No entanto, a lei não define uma quantidade específica que separa o usuário do traficante, deixando essa interpretação a critério da polícia e dos tribunais.
Consequentemente, pessoas que portam pequenas quantidades de droga podem ser enquadradas por tráfico, crime que pode resultar em até 15 anos de prisão. Especialistas afirmam que a lei contribuiu para o aumento da população carcerária no país. De menos de 300 mil presos em 2005, o número saltou para 832 mil detentos, segundo dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública divulgado no ano passado.
Desigualdade racial
A pesquisa do Núcleo de Estudos Raciais do Insper mostra que 31 mil negros foram enquadrados como traficantes, enquanto brancos foram considerados usuários em situações semelhantes no estado de São Paulo.
Histórico do processo
O processo em julgamento no STF foi aberto em 2011, envolvendo um homem flagrado com três gramas de maconha e condenado a dois meses de serviços comunitários. A Defensoria Pública de São Paulo recorreu em nome dele, e o caso chegou ao Supremo. A ação é de repercussão geral, o que significa que a decisão valerá para todos os casos semelhantes.