A AGU (Advocacia-Geral da União) encaminhou ao STF (Supremo Tribunal Federal) uma manifestação alegando que o CFM (Conselho Federal de Medicina) cometeu abuso de poder ao tentar “manter a gravidez resultante de estupro”, mesmo quando isso prejudica a saúde e a liberdade das mulheres, ao editar uma resolução que restringia o acesso ao aborto legal no Brasil.
Sob a liderança do ministro Jorge Messias, a AGU argumenta que a norma que proibia a prática da assistolia fetal após 22 semanas de gestação buscou, de maneira disfarçada, modificar uma disposição do Código Penal. “Tal limitação só seria possível através de uma lei formal, uma atribuição do Congresso Nacional, e não de um conselho profissional”, afirmou a AGU.
A manifestação foi feita no contexto da ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) 1141, que questiona a resolução do CFM publicada em abril deste ano. Em maio, o ministro Alexandre de Moraes, relator do caso, suspendeu temporariamente a norma e impediu punições e a abertura de processos administrativos contra médicos que continuassem realizando a técnica nos casos previstos por lei. A decisão ainda será analisada pelo plenário do STF.
A decisão do ministro levou as bancadas evangélica e católica no Congresso a apresentarem o PL Antiaborto por Estupro na Câmara dos Deputados, de autoria do deputado federal Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), ex-presidente da bancada evangélica no Parlamento. O projeto de lei propõe até 20 anos de prisão para mulheres que interromperem a gestação após 22 semanas, mesmo em casos de estupro.
A manifestação da AGU reflete a posição do governo Lula, enfatizando que a abordagem é “estritamente jurídica” e não se envolve em questões políticas, morais, filosóficas ou religiosas. A AGU argumenta que o ato do CFM é inconstitucional e que o “abuso do poder regulamentar” impede o exercício de um direito já previsto por lei, criando um precedente perigoso. “Conselhos profissionais poderiam, abusando do poder regulamentar, criar obstáculos e tentar impedir políticas públicas previstas em lei ou, pior, formular novas políticas públicas sem base legal”, declarou a AGU.
A AGU ressalta que, embora o aborto seja crime no Brasil, a legislação prevê exceções em casos de gravidez resultante de estupro, anencefalia e risco de morte materna. “Todos que se deparam com a delicada questão do aborto (gestantes, médicos, juízes e, claro, conselhos de medicina) devem seguir a legislação brasileira em vigor”, afirmou o órgão.
“No caso específico da gravidez decorrente de estupro, a lei preserva o direito de escolha da mulher, não levando em consideração a viabilidade do feto”, acrescenta a AGU. A entidade também sublinha que o CFM não ofereceu aos médicos nenhuma alternativa à assistolia fetal, recomendada pela OMS (Organização Mundial da Saúde) para interrupção de gestações mais avançadas, e que fez uma “ponderação de valores” diferente da prevista em lei.
Nesta quarta-feira, Moraes ordenou que diretores de cinco hospitais de São Paulo comprovem se estão cumprindo a decisão que suspendeu punições a médicos.