Foto: Brenno Carvalho/Agência O Globo
Entenda a participação de Rivaldo Barbosa na morte da vereadora Marielle Franco, segundo a Polícia e o Ministério Público
“Ao Exmo. Ministro, por misericórdia, solicito que V.Exa. faça os investigadores me ouvirem, pelo amor de Deus”, escreveu Rivaldo Barbosa em um bilhete entregue ao oficial de justiça que o notificou dentro da Penitenciária Federal de Brasília.
Em petição ao STF, Rivaldo afirmou que ainda não tinha sido ouvido pelos investigadores, mesmo com ordem judicial. Na semana passada, o ministro Moraes determinou que o delegado prestasse depoimento no prazo de cinco dias.
Em um agravo regimental protocolado na semana passada, a defesa de Barbosa argumenta que a delação premiada firmada entre a Polícia Federal, a Procuradoria-Geral da República e o ex-policial militar Ronnie Lessa é o “único ingrediente” que mantém o delegado privado de sua liberdade.
“A narrativa da Autoridade Policial é aberta, sem demonstrar qualquer tipo de evidência de vinculação entre Rivaldo Barbosa e os supostos mandantes, de eventuais contatos e reuniões, ou do recebimento de qualquer tipo de vantagem econômica. O relatório da Polícia Federal, seguido pela denúncia da PGR, não apresenta sequer uma conduta concreta e individualizada a ser imputada ao agravante que corrobore a narrativa registrada na colaboração premiada de Ronnie Lessa”, escreveram os advogados Marcelo Ferreira e Felipe Dalleprane.
A defesa de Rivaldo também alegou que, apesar do esforço dos investigadores para macular a imagem do delegado, sugerindo que ele utilizava empresas de fachada para lavar dinheiro de propina, “não há nos autos uma única prova de irregularidade envolvendo as empresas de Rivaldo e de sua esposa”.
“Além da devassa realizada nas contas de Rivaldo e de sua família, não foi apreendido sequer um real em espécie por ocasião da diligência de busca e apreensão em sua residência. Os registros do cumprimento do mandado de busca e apreensão e prisão reforçam a ideia de absoluta compatibilidade do patrimônio com as receitas auferidas em função de anos da atividade policial e como professor universitário”, afirmaram os advogados.
Além do delegado, foram alvos dos mandados de prisão preventiva cumpridos em 24 de março o conselheiro do Tribunal de Contas do Estado Domingos Brazão e seu irmão, o deputado federal Chiquinho Brazão (sem partido-RJ). No último dia 10, eles foram denunciados pela Procuradoria-Geral da República (PGR). Todos os envolvidos negam os crimes.
Há cerca de um mês, Barbosa já havia pedido a Moraes para prestar depoimento à Polícia Federal. Na ocasião, em petição ao STF, ele afirmou que ainda não tinha sido ouvido pelos investigadores, mesmo com ordem judicial. Na mesma ocasião, o delegado pediu também ao STF que sua mulher fosse ouvida. Para a PF, ela teria utilizado empresas de fachada para supostamente lavar dinheiro, atuando como “testa de ferro” de Barbosa.
Os advogados Marcelo Ferreira de Souza e Felipe Dalleprane enviaram à Corte documentos afirmando não haver “qualquer lastro probatório ou ao menos indiciário” de práticas ilícitas na prestação dos serviços realizados pelas empresas de Erika, tampouco que sua evolução patrimonial tenha relação com rendas ilegais.
Participação de Rivaldo no Caso Marielle
Entenda a participação de Rivaldo Barbosa na morte da vereadora, segundo a Polícia e o Ministério Público: o delegado Rivaldo Barbosa foi chefe de Polícia Civil durante as investigações do assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL) e do motorista Anderson Gomes, de março a dezembro de 2018. Na época, o Rio estava sob intervenção federal.
Desdobramentos de um crime: Ronnie Lessa, em delação à PF, afirmou que lucraria R$ 100 milhões com a morte de Marielle, dizendo: “A gente ia criar uma milícia nova”.
Foi Rivaldo quem deu o aval para o conselheiro do Tribunal de Contas do Estado (TCE), Domingos Brazão, apontado como mandante do crime, segundo a delação de Ronnie Lessa, assassino confesso de Marielle, que o crime ficaria impune. Além dele, o irmão de Domingos, o deputado federal Chiquinho Brazão, foi delatado como suspeito de ordenar a execução da parlamentar.
Foi Rivaldo também quem levou ao titular da Delegacia de Homicídios da Capital (DHC), Giniton Lages, encarregado do caso e escolhido por ele, a informação de que três delegados da Polícia Federal teriam conseguido achar uma suposta testemunha do crime, mas que se tratava de uma farsa, comprovada pela PF numa apuração paralela, conhecida como “investigação da investigação”.
Na primeira fase do caso Marielle, Rivaldo ligou para Giniton e mandou que ele interrogasse o então policial militar Rodrigo Ferreira, o Ferreirinha, apresentado como testemunha de uma conversa entre Orlando Oliveira de Araújo, o Orlando da Curicica, e o vereador Marcello Siciliano, em que teriam planejado matar a vereadora. Mas a versão era falsa, como foi confirmado dez meses depois numa apuração paralela da Polícia Federal, conhecida como “investigação da investigação”.
Dias após a morte de Marielle, Rivaldo se reuniu com parlamentares da bancada do PSOL para garantir que o crime seria esclarecido o mais rápido possível. Em entrevista, o delegado chegou a dizer: “Nós estamos no caminho certo. A complexidade está na forma de atuação dos assassinos. Mas estamos fazendo de tudo para esclarecer essa atividade criminosa”.
Antes de ser chefe de Polícia Civil, Rivaldo foi subsecretário da Subsecretaria de Inteligência da Segurança, durante o período em que o secretário de Segurança era o delegado da Polícia Federal José Mariano Beltrame, na gestão do ex-governador Sérgio Cabral.
Em seguida, Rivaldo ocupou os cargos de titular da Delegacia de Homicídios da Capital (DHC) e diretor da Divisão de Homicídios, responsável pelas três delegacias que elucidam assassinatos no estado. Até ser preso, ele se encontrava à frente da Coordenadoria de Comunicações e Operações Policiais, que cuida da operação com rádios da corporação.
Em um acordo de delação premiada firmado com a PF e a Procuradoria-Geral da República, o ex-policial militar Ronnie Lessa relatou que, no segundo trimestre de 2017, Chiquinho, então vereador do Rio, demonstrou “descontrolada reação” à atuação de Marielle para “apertada votação do projeto de Lei à Câmara número 174/2016”.
Com o projeto, ele e o irmão buscariam a regularização de um condomínio inteiro na região de Jacarepaguá, na Zona Oeste da cidade, sem respeitar o critério de área de interesse social, visando obter o título de propriedade para especulação imobiliária.
Nos depoimentos, Lessa ainda relatou que Barbosa foi uma peça-chave para que os homicídios fossem consumados a mando dos Brazão. Ao delegado, caberia garantir uma espécie de imunidade aos envolvidos, ou seja, de alguma forma o inquérito que se sucederia não poderia chegar aos responsáveis pela empreitada criminosa.
Na denúncia apresentada, a PGR afirma que “a ordem para executar os homicídios foi dada por Domingos e Chiquinho” e que os dois defendiam os interesses de milícias “junto às instituições de Estado”. Os irmãos também foram denunciados por organização criminosa.
O documento aponta que os irmãos informaram sobre o plano de matar a parlamentar a Rivaldo, que teria usado sua autoridade como chefe de Polícia Civil “para oferecer a garantia necessária aos autores intelectuais do crime de que todos permaneceriam impunes”.
“Acrescente-se que Rivaldo ocupava, ao tempo do planejamento do crime, a função de diretor da Divisão de Homicídios, tendo sido empossado, no dia imediatamente anterior às execuções, como chefe de Polícia Civil. Por isso, o seu aval era parte indispensável do plano elaborado pelos irmãos Brazão. Ele detinha o controle dos meios necessários para garantir a impunidade do crime”, escreve o vice-procurador-geral da República Hindenburgo Chateubriand Filho, que assina a denúncia.