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Centenas de pessoas enfrentam um desafio extremo com o calor durante a peregrinação anual do Hajj para a Kaaba, na Arábia Saudita. Quase 2 milhões de muçulmanos estão completando a jornada até a Grande Mesquita de Meca até quarta-feira (19).
Multidões de visitantes suportaram temperaturas extremas de até 51,8°C durante a peregrinação, relatou a TV estatal saudita. Segundo uma contagem da Reuters baseada em declarações e fontes do Ministério das Relações Exteriores, pelo menos 562 pessoas morreram durante o Hajj. O Egito sozinho registrou 307 mortes e outros 118 estão desaparecidos, segundo fontes médicas e de segurança.
“Foi muito duro e as pessoas não conseguem suportar esse tipo de calor”, disse Wilayet Mustafa, um peregrino paquistanês.
Uma testemunha relatou que os corpos estavam na beira da estrada perto de Mina, nos arredores de Meca, cobertos com o pano branco Ihram — um traje simples usado pelos peregrinos — até a chegada dos veículos médicos.
Os cientistas climáticos alertam que essas mortes são um prenúncio do que está por vir para os dezenas de milhões de muçulmanos que realizarão a peregrinação nas próximas décadas. “O Hajj tem sido conduzido de uma certa maneira há mais de mil anos e sempre foi realizado em um clima quente”, disse Carl-Friedrich Schleussner, consultor científico do instituto alemão Climate Analytics. “Mas a crise climática está agravando a gravidade das condições climáticas”, acrescentou.
Durante a peregrinação à Kaaba, os peregrinos realizam ritos religiosos ensinados pelo profeta Maomé aos seus seguidores há 14 séculos. Partes integrantes da jornada, como a escalada ritual do Monte Arafat, tornaram-se “incrivelmente perigosas para a saúde humana”, disse o cientista.
O Ministério da Saúde do país apelou aos peregrinos para continuarem a beber água para se manterem hidratados e a usarem guarda-chuvas para evitar insolação e doenças relacionadas com o calor, à medida que as temperaturas subiram na região.
O Hajj é considerado uma das maiores reuniões de massa do mundo, com a expectativa de que mais de 1,8 milhão de peregrinos participem este ano, de acordo com a Autoridade Geral Saudita de Estatísticas.
A situação deve piorar, já que a data do Hajj é determinada pelo ano lunar, o que faz com que a peregrinação retroceda 10 dias anualmente. Embora o evento esteja agora avançando para o inverno, na década de 2040 coincidirá com o pico do verão na Arábia Saudita. “Será muito fatal”, disse Fahad Saeed, cientista climático da Climate Analytics, com sede no Paquistão.
As mortes relacionadas com o calor durante o Hajj não são novas e foram registradas desde 1400. A falta de aclimatação a temperaturas mais elevadas, o esforço físico intenso, os espaços expostos e a população idosa tornam os peregrinos vulneráveis. No ano passado, mais de 2 mil pessoas sofreram de estresse térmico, segundo autoridades sauditas.
A situação ficará ainda pior à medida que o mundo aquecer, disseram os cientistas. Saeed e Schleussner publicaram um estudo de 2021 na revista Environmental Research Letters que descobriu que se o mundo aquecer 1,5°C acima dos níveis pré-industriais, o risco de insolação para os peregrinos no Hajj será cinco vezes maior.
“As pessoas são muito motivadas religiosamente. Para algumas delas, é um evento que acontece uma vez na vida”, disse Saeed, já que cada país recebe um número limitado de vagas. “Se eles tiverem uma chance, eles vão em frente”, acrescentou.
Em 2016, a Arábia Saudita publicou uma estratégia térmica que incluía a construção de áreas sombreadas, o estabelecimento de pontos de água potável a cada 500 metros e a melhoria da capacidade de saúde. As autoridades de saúde sauditas alertaram os peregrinos para se manterem hidratados e evitarem estar ao ar livre entre às 11h e 15h durante o Hajj deste ano.
Um peregrino paquistanês relatou que teve que empurrar sua mãe de 75 anos em uma cadeira de rodas. Quando tentaram descansar, a polícia lhes disse para continuarem andando. “Fiquei surpreso ao ver que não houve esforços feitos pelo governo saudita para fornecer qualquer abrigo ou água”, disse Mustafa.
O gabinete de comunicação social do governo da Arábia Saudita não respondeu imediatamente a um pedido de comentário. Uma fonte médica egípcia disse à Reuters que o maior número de mortes ocorreu entre peregrinos que não estavam formalmente registrados junto às autoridades do Hajj e foram forçados a permanecer nas ruas, expostos ao calor.
O egípcio Sameh Al-Zayni disse que recebeu água das autoridades sauditas, e uma testemunha da Reuters viu a polícia peregrina saudita distribuindo água e borrifando multidões para resfriá-las. No entanto, a pulverização de água só é eficaz em temperaturas abaixo de 35°C, disseram os cientistas.
Se as temperaturas forem muito elevadas, a pulverização de água não ajuda e pode aumentar o risco em condições úmidas, quando as pessoas têm dificuldade em liberar o calor através da transpiração.