Foto: Reprodução/ TV Justiça
Acontece praticamente toda semana, mas nesta quinta-feira, 20, um ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) admitiu: “Estamos passando por cima do legislador”. Foi durante o julgamento sobre a descriminalização da posse de maconha para uso pessoal.
O presidente do STF, Luís Roberto Barroso, iniciou a sessão lembrando que já havia cinco votos favoráveis para liberar a posse da droga em pequenas quantidades sem punição penal: ele próprio, Gilmar Mendes, Rosa Weber e Alexandre de Moraes se arriscaram a estipular a quantidade que poderia ser portada sem infringir a lei, estabelecendo 60 gramas ou seis plantas fêmeas.
Edson Fachin votou a favor da descriminalização, mas opinou que a quantidade legal deveria ser determinada pelo Congresso Nacional. Cristiano Zanin, Kassio Nunes Marques e André Mendonça votaram contra a descriminalização.
Após o resumo, Barroso mencionou que recebeu uma ligação do presidente da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), Dom Jaime Spengler, manifestando preocupação com a questão. O presidente do STF disse que Spengler foi “vítima, em parte, de uma certa desinformação”.
“Crime ou não?”, indagou Barroso. Ele esclareceu que “o Supremo Tribunal Federal considera, tal como a legislação em vigor, que o consumo de drogas, o porte de drogas, mesmo para consumo pessoal, é um ato ilícito”. “Então, o Supremo não está legalizando droga. O Supremo mantém o consumo de droga como um comportamento ilícito, que fique claro”, completou.
O debate central, segundo Barroso, é se o consumo de drogas deve ser tratado como um ato ilícito penal ou administrativo, ou seja, se implica em prisão ou em prestação de serviços à comunidade. Ele acrescentou que é essencial estabelecer critérios iguais para todos, “ricos e pobres”, “brancos e negros”, para evitar discriminação.
Mendonça, que participava remotamente da sessão, pediu a palavra para dizer que não acredita que o presidente da CNBB esteja desinformado. “A opinião dele é compartilhada por mim, ela está consignada no meu voto”, afirmou Mendonça, sendo interrompido por Barroso.
“André, Vossa Excelência me desculpe, mas eu conversei com ele e ele me disse que não estava ciente de que esta era a discussão”, retrucou o presidente do STF. “E, portanto, eu me comprometi com ele a prestar esse esclarecimento no início da sessão, porque ele me disse que não estava informado de que esta era a questão e ele se preocupou em me dizer que trabalhou em periferia, que droga é uma coisa que faz mal às pessoas e às comunidades. E eu disse a ele que todos nós aqui concordamos com isso, que todos nós aqui temos uma posição contrária às drogas ilícitas, que nós não estamos decidindo a legalização das drogas. Portanto, ele me disse que tinha uma informação incorreta sobre o que estava sendo decidido.”
“Mendonça respondeu, dizendo que não acha que o presidente da CNBB tenha informação incorreta sobre o assunto. ‘A grande verdade é que nós estamos passando por cima do legislador caso essa votação prevaleça com a maioria que hoje está estabelecida. O legislador definiu que portar drogas é crime. Transformar isso em ilícito administrativo é ultrapassar a vontade do legislador. Nenhum país do mundo fez isso por decisão judicial’, argumentou.”
O ministro prosseguiu: “Em segundo lugar, a grande pergunta que fica: quem vai fiscalizar? Quem vai processar? Quem vai condenar? Quem vai acompanhar a execução dessa sanção [administrativa]? Não existe. Essa deliberação tem que ser adotada pelo legislador. Sou contra, mas me curvaria caso o legislador deliberasse em sentido contrário”, reiterando que “o presidente da CNBB não é vítima de desinformação”.
Barroso rebateu dizendo que Mendonça expressou o mesmo pensamento que ele, “apenas com um tom um pouco mais panfletário”. O debate continuou antes do início do voto de Dias Toffoli, que se espera que forme a maioria para descriminalizar a posse de pequenas quantidades de maconha.