No acordo de delação premiada com a Polícia Federal e a Procuradoria-Geral da República (PGR), o ex-policial militar Ronnie Lessa detalhou a necessidade de manter carros em circulação e trocar aparelhos celulares durante a preparação de homicídios, incluindo o da vereadora Marielle Franco. Em um dos depoimentos, Lessa explicou os cuidados tomados para evitar suspeitas de vizinhos e autoridades públicas.
No anexo, ao qual O GLOBO teve acesso, Lessa atribuiu ao bombeiro Maxwell Simões Corrêa, conhecido como Suel, e ao também ex-policial militar Edmilson Oliveira da Silva, o Macalé, a tarefa de providenciar alguns dos veículos utilizados nos planos de assassinato, incluindo o da parlamentar e o da então presidente do Salgueiro, Regina Celi.
Além da troca de placas e da chamada “maquiagem”, que envolvia a colagem de adesivos na lataria dos carros, a estratégia adotada era manter os veículos circulando pela cidade do Rio de Janeiro. No caso da tentativa de emboscada contra Regina Celi, como essa tática não foi aplicada, os criminosos foram surpreendidos pelo guincho da Prefeitura.
Lessa relatou: “Já tinha parado ele já, já, já tinham perdido um. Eu não lembro qual carro que era, era um carro branco, então sei que estava lá perto do Quebra-Mar (na Barra da Tijuca, Zona Oeste do Rio). Tinha sido rebocado alguma coisa ou roubado. Eu não sei se foi roubado, foi rebocado, mas perdeu. (…) Agora ele vai chamar a viatura. A viatura não vai só pela placa, ela vai chegar perto do carro, vai vir pela gravação no vidro e vai levar junto.”
No mesmo depoimento, Lessa também mencionou ter utilizado pelo menos dois telefones celulares para se comunicar com os demais envolvidos no homicídio de Marielle, a partir de setembro de 2017. Ele citou os chamados “telefones buchinhas”, pré-pagos sem procedência conhecida, e os aplicativos de troca de mensagens.
“Trocamos umas duas ou três vezes (de telefone). (Quem forneceu) foi o Macalé (o também ex-policial militar Edmilson Oliveira da Silva, morto em 2021). Tinham vários aplicativos, WhatsApp (…) Nós nos falávamos normal pelo nosso celular, pelo nosso WhatsApp, quando não tinha nada acontecendo. Mas, a partir do momento que a gente começa uma questão dessa, a gente já evita falar no nosso telefone o máximo possível”, afirmou Lessa.
No mesmo anexo, o ex-PM atribuiu a Macalé a intermediação de um encontro entre ele, o conselheiro do Tribunal de Contas do Estado Domingos Brazão, e seu irmão, o deputado federal Chiquinho Brazão (sem partido-RJ). Ambos estão presos sob acusação de serem os mandantes do crime, mas negam qualquer envolvimento.
Embora tenham sido mencionados três encontros, que supostamente ocorreram próximo a um hotel na Barra da Tijuca, os investigadores não conseguiram comprovar esses eventos quase seis anos após o crime.
Conforme mostrado pelo Fantástico, da TV GLOBO, no mesmo depoimento, Lessa afirmou à PF que, como pagamento pela morte da parlamentar, teria recebido dos irmãos Brazão a oferta de um loteamento clandestino, o que também não se concretizou. O ex-PM está preso desde 2019 pela execução de Marielle e de seu motorista, Anderson Gomes.