Foto: Thayssa Rios
Dois andares de um galpão estão abarrotados de bichinhos de pelúcia, recolhidos durante uma operação da Delegacia de Repressão aos Crimes Contra a Propriedade Imaterial (DRCPIM)
Quem costuma entrar em algum depósito de apreensões da Cidade da Polícia, no Jacaré, Zona Norte do Rio, já se acostumou a ver de tudo: armas de vários tipos, munição de diversos calibres, pacotes com drogas, caça-níqueis, cigarros contrabandeados… Mas, desde o último dia 7, há algo diferente do que é frequentemente levado para lá. Dois andares de um galpão estão abarrotados de bichinhos de pelúcia, recolhidos durante uma operação da Delegacia de Repressão aos Crimes Contra a Propriedade Imaterial (DRCPIM). São dez mil, que, colocados dentro de máquinas de jogo, renderiam uma fortuna ao escaparem de garras movidas por crianças e adultos de todas as idades.
O que virou uma “febre” em todo o estado entrou na mira de investigadores. Eles apuram se o resgate de bonequinhos não depende só de habilidade. A suspeita é de que as garras das máquinas seriam calibradas para só ficarem firmes em um determinado momento — assim, a brincadeira ficaria caracterizada como jogo de azar. Além disso, os policiais ainda vão buscar indícios que mostrem se há o envolvimento da milícia e da contravenção com a atividade.
As máquinas de bichinhos começaram a ser investigadas há aproximadamente três meses. Na época, a DRCPIM tinha como foco a falsificação de pelúcias de personagens de marcas registradas, como a Disney. O delegado Pedro Brasil, titular da especializada, disse que a apuração resultou no planejamento da chamada Operação Mãos Leves. Equipes apreenderam 80 máquinas de duas empresas em shoppings e estabelecimentos comerciais das zonas Norte e Oeste do Rio e na Baixada Fluminense. E, por incrível que pareça, grande parte dos dez mil bichinhos estava em um galpão no bairro de Benfica, nos arredores da Cidade da Polícia. Um homem que fazia a montagem dos equipamentos foi detido para prestar esclarecimentos e, levado à delegacia, optou por se manter em silêncio.
— A perícia da pelúcias foi feita. Apenas um dos dez mil bonequinhos era original. Todo o restante é falsificado — contou o titular da DRCPIM: — O mecanismo dos equipamentos continua sendo analisado. Vimos que as máquinas têm um contador de jogadas, agora estamos apurando se existe uma programação atrelada à placa-mãe de cada uma para só dar pressão às garras após um determinado número de tentativas.
Segundo o delegado, ainda não é possível estimar o faturamento obtido com as máquinas no Rio. Uma fonte consultada pelo EXTRA aponta que um equipamento instalado num ponto bem movimentado pode gerar um lucro de mais de mil reais por dia. No entanto, em muitos casos, parte desse dinheiro paga a permissão para o uso do local. Além disso, existe um mercado de aluguel dos aparelhos.
Entre os dez mil bichinhos que estão na Cidade da Polícia, muitos estão com costuras malfeitas e não têm etiquetas do fabricante do Inmetro
Dez mil bonequinhos poderão ser doados a crianças gaúchas
Pedro Brasil informou que a Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) apresentou um pedido para que os dez mil bichinhos recolhidos sejam doados para o Rio Grande do Sul. A solicitação foi feita pelos deputados Martha Rocha e Vítor Júnior (PDT) por meio de um ofício enviado à DRCPIM. O delegado aprovou a iniciativa e já solicitou à Justiça autorização para entrega das pelúcias a crianças gaúchas desabrigadas pelas enchentes.
— Para que haja a doação, o Judiciário precisa autorizá- la, e acreditamos que não haverá um impedimento. Se o material não for entregue às crianças será destruído, e todos queremos ajudar a população do Rio Grande do Sul — disse Martha Rocha.
A deputada destacou que “a destinação para crianças que perderam tudo nas enchentes se trata de realizar um bem público”. Por isso, só será considerada indevida se uma perícia constatar que os brinquedos podem fazer mal à saúde. Segundo Pedro Brasil, o Ministério da Justiça se posicionou de forma favorável ao pedido.
Empresas paulistas
Etiquetas indicam que as 80 máquinas apreendidas pela DRCPIM foram enviadas ao Rio por duas empresas do interior de São Paulo. Ao longo da última semana, o EXTRA tentou contato com ambas, mas não obteve retorno. A reportagem descobriu que o proprietário de uma delas foi investigado, há dois anos, por crime contra a economia popular. As duas empresas, porém, não seriam as maiores do segmento. Outras também estão no radar da Polícia Civil do Rio.
— Após concluirmos a perícia da programação das máquinas, levantaremos a parte financeira desse segmento e o lucro que o esquema pode gerar. Vamos analisar as contas bancárias e pedir a quebra do sigilo fiscal dos sócios das empresas — explicou Brasil.
Em relação a um possível envolvimento da milícia e da contravenção na exploração do jogo dos bichinhos de pelúcia, o delegado afirmou que ainda é cedo para estabelecer uma conexão, mas disse que essa hipótese será checada nos próximos passos das investigações.