Em meio ao agravamento da situação militar na Ucrânia diante das forças invasoras de Vladimir Putin, os Estados Unidos declararam pela primeira vez que o uso de suas armas contra o território russo por parte de Kiev é uma decisão do governo de Volodimir Zelenski.
Durante uma entrevista coletiva na capital ucraniana, o secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, afirmou que embora não “encoraje ataques fora da Ucrânia”, a decisão final cabe a Kiev sobre como conduzir a guerra. Essa declaração pode gerar uma escalada por parte de Putin, que sempre considerou essa situação uma linha vermelha desde o início do conflito em 2022.
Há três semanas, o chanceler britânico, David Cameron, havia afirmado que Kiev estava livre para usar seus mísseis de longo alcance contra a Rússia. Em resposta, Putin anunciou que atacaria alvos militares britânicos em todo o mundo como retaliação legítima à hipótese.
Até então, o presidente Joe Biden proibia explicitamente tal uso, temendo que isso pudesse desencadear uma Terceira Guerra Mundial. Os recentes ataques ucranianos no sul da Rússia estão sendo realizados com armamento doméstico. O tom ambíguo de Blinken sugere que ele esteja testando a reação do Kremlin.
Blinken visitou Kiev devido à piora na posição militar da Ucrânia e anunciou que os EUA estão acelerando o envio de munição e armamentos para seus aliados em Kiev. Além disso, um novo pacote de ajuda de R$ 10,2 bilhões para a indústria bélica de Kiev será liberado em breve.
Ele não especificou se esse valor faz parte do auxílio de R$ 300 bilhões aprovado pelo Congresso americano em abril, após meses de protelação que são considerados cruciais para a dramática situação de Kiev diante dos novos avanços russos.
“Nós estamos apressando o envio de munição, veículos blindados, mísseis e defesas aéreas para as linhas de frente”, afirmou Blinken. O chanceler ucraniano, Dmitro Kuleba, manteve o tom usual de cobrança, ressaltando que “cada atraso no fornecimento resulta em revés no campo de batalha”.
Na noite de terça-feira (14), Blinken, que já foi guitarrista em algumas bandas no passado, tocou em um bar de Kiev com um grupo local. Ele afirmou que as tropas estão lutando “não apenas por uma Ucrânia livre, mas por um mundo livre”. Em seguida, acompanhou a banda na música “Rockin’ in the Free World”, de Neil Young.
Desde o fracasso da contraofensiva ucraniana em 2023, Moscou retomou a iniciativa e obteve diversos ganhos na província de Donetsk, no leste do país, que foi anexada ilegalmente por Putin e da qual Kiev tinha maior controle territorial.
Na última sexta-feira (10), a Rússia lançou uma grande ofensiva em uma frente, invadindo o norte da região de Kharkiv e expondo a capital homônima do local a um cerco. Kharkiv é a segunda maior cidade ucraniana.
Nesta quarta-feira, o Ministério da Defesa russo afirmou ter tomado mais duas cidades na região, consolidando um avanço que, embora não tão rápido quanto nos primeiros dias, é notável em uma guerra que estabeleceu uma frente de combate de 1.000 km após o recuo de Putin da tentativa frustrada de tomar Kiev no início do conflito.
Além disso, as Forças Armadas da Ucrânia afirmam que a linha de frente na região foi estabilizada, mas a realidade ainda é incerta neste momento.
Um desenvolvimento ainda mais importante, se confirmado, é a conquista anunciada de Robotine, na região de Zaporíjia. Essa área também foi anexada pela Rússia, mas uma porção do norte da província ainda permanece sob administração de Kiev.
A frente de batalha na Ucrânia tem sido palco de combates intensos. Em 2023, Kiev reconquistou Robotine, um vilarejo transformado em ruínas, mas agora tudo indica que os russos retomaram o controle.
O agravamento da situação levou o presidente Zelenski a cancelar sua viagem à Espanha e Portugal. Ele ordenou o recuo das forças ucranianas em vários pontos de Kharkiv para facilitar a defesa das linhas que levam à capital regional, a menos de 20 km da área de combate.
A intenção tática russa com a nova ofensiva ainda é incerta. Pode ser uma tentativa de tomar a capital de Kharkiv e a região ou criar uma zona tampão para afastar os lançadores de mísseis e drones ucranianos do sul do país, especialmente Belgorodo, uma cidade fortemente afetada pela guerra na Rússia.
Estrategicamente, Putin está erodindo as capacidades de Kiev. A Ucrânia enfrenta problemas de mão de obra para a guerra, enquanto Moscou alterou as leis de mobilização e ofereceu liberdade em troca de serviço militar para prisioneiros.
A falta de munição e armas também preocupa Zelenski. O atraso na aprovação do pacote de ajuda dos EUA e o não cumprimento do pacote plurianual de R$ 270 bilhões da União Europeia dificultam a situação.
Enquanto isso, a Rússia está em modo de guerra, com mudanças no Ministério da Defesa. A indicação de Andrei Belousov para a Defesa sugere uma aposta em organização de longo prazo para conflitos.
Com informações da Folha de SP