Pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) que acompanham os padrões de alimentação da população brasileira desde 2020 revelam que o elevado consumo de alimentos ultraprocessados está relacionado à manifestação de sintomas depressivos. As análises indicam um risco aumentado de 42% para quadros depressivos dentro do grupo em que esses produtos compõem quase dois quintos da dieta.
André Werneck, o principal responsável pelo trabalho, já pesquisava a relação entre atividade física e saúde mental quando ingressou no Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde (Nupens) da USP para iniciar seu doutorado. Foi lá que ele viu uma oportunidade de expandir o escopo de sua pesquisa e também analisar os aspectos nutricionais. Ele não esperava que o trabalho mudaria sua própria relação com a comida. “Hoje, tento ao máximo evitar ultraprocessados”, afirma.
Os especialistas avaliaram os dados de quase 16 mil adultos que não tinham diagnóstico de depressão no início do estudo. Os voluntários relataram, por meio de questionários online aplicados semestralmente, os principais alimentos consumidos no dia anterior e seu estado de saúde. Com essas informações em mãos, Werneck e a equipe do Nupens puderam dimensionar o papel dos ultraprocessados na dieta dessas pessoas.
De acordo com o Nupens, em média, os alimentos altamente processados representam 20% do total de energia consumida diariamente pelos brasileiros. No grupo com a alimentação mais saudável, essa porcentagem média é de 7%, enquanto chega a quase 40% no grupo que mais consome esses produtos.
Os ultraprocessados são geralmente feitos a partir de ingredientes baratos extraídos de alimentos in natura, aos quais são adicionados conservantes, saborizantes e aromatizantes. São mais baratos, duráveis, convenientes para o consumo e agradáveis ao paladar. Por isso, o grupo mais suscetível a esses produtos é aquele com menor renda e escolaridade.
Alimentos altamente processados são conhecidos por seu baixo valor nutricional. Geralmente são ricos em açúcares adicionados, sódio e gorduras, sendo essa uma das razões por trás do surgimento de problemas de saúde mental. No entanto, os cientistas suspeitavam que havia algo mais.
Por isso, Werneck conduziu outras análises estatísticas para verificar se a relação entre os sintomas depressivos também existe para pessoas que consomem tanto frutas, verduras e vegetais quanto grandes quantidades de ultraprocessados. “Houve uma redução significativa na associação [nos resultados], mas ela permaneceu além do perfil nutricional”, explica o especialista.
As evidências mostram que as causas dos problemas psiquiátricos também podem estar nos aditivos químicos. Segundo os autores do estudo, essa relação pode estar relacionada a alterações na microbiota intestinal promovidas por essas substâncias, que, por sua vez, causam um desequilíbrio na absorção dos nutrientes.
A solução para quem deseja cuidar da saúde é reduzir ao máximo o consumo desses produtos. Essa também é a recomendação do Ministério da Saúde. No sistema de classificação de alimentos do Guia Alimentar para a População Brasileira, os ultraprocessados ocupam a quarta categoria, após alimentos in natura ou minimamente processados, ingredientes processados e alimentos apenas processados.
Além dos dados da coorte, os pesquisadores do Nupens também realizaram uma meta-análise que incluiu outros cinco grandes estudos semelhantes. Combinando os dados brasileiros com estudos conduzidos na Europa e nos Estados Unidos, o risco dos ultraprocessados para o surgimento de sintomas depressivos foi 32% maior entre os grupos de menor e maior risco. Werneck enfatiza que essa etapa é importante para confirmar as observações feitas e reforçar que os resultados não são meras coincidências.