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Lula parece estar se afastando de seus aliados centristas, uma mudança que pode ter um alto custo no futuro. O assunto é tema de artigo de opinião de Daniel Pereira para a Revista Veja, publicado nesta sexta-feira (24).
Quando Dilma Rousseff assumiu a presidência, ela foi rotulada pejorativamente como um “poste” por adversários e até mesmo por membros do PT, sugerindo que sua candidatura e administração eram criações de Lula, que continuaria a governar o país. A presidente estava ciente dessas suspeitas. Antonio Palocci, convocado para ser seu chefe da Casa Civil, afirmava que o plano de Rousseff era se distanciar gradualmente da sombra de seu padrinho político. No primeiro ano de mandato, a administração teria mais a aparência de Lula do que de Rousseff. No segundo ano, o inverso ocorreria. A partir daí, segundo Palocci, o governo seria predominantemente dela. Em seu terceiro mandato no Palácio do Planalto, Lula parece seguir uma lógica semelhante. Na disputa contra Jair Bolsonaro, ele formou uma frente ampla, um conceito que orientou parte das decisões tomadas no ano passado, como a formação do ministério. No entanto, este ano, o petista tem feito cada vez mais gestos à esquerda, se afastando de aliados centristas que foram fundamentais em 2022 e provavelmente serão decisivos em 2026. Se essa mudança for confirmada, poderá ter um alto custo no futuro.
Os sinais de uma possível mudança de direção são mais frequentes na área econômica, impulsionados pela dificuldade do presidente em resistir à tentação de aumentar o intervencionismo estatal e os gastos públicos. Depois de desgastar o aliado durante semanas, Lula demitiu o petista Jean Paul Prates do comando da Petrobras, substituindo-o por Magda Chambriard, que dirigiu a Agência Nacional do Petróleo (ANP) no governo de Dilma Rousseff. Apesar de ter “abrasileirado” a política de preços da empresa, como Lula queria, Prates era considerado muito simpático ao mercado e um obstáculo ao plano do presidente de usar a Petrobras para tirar do papel projetos considerados prioritários pelo Planalto, independentemente de sua viabilidade econômica ou de sua pertinência em termos de estratégia de mercado. Em linha com os ministros Rui Costa (Casa Civil) e Alexandre Silveira (Minas e Energia), que trabalharam pela demissão de Prates, Lula quer que a empresa acelere investimentos em gás, fertilizantes e refinarias – e volte a impulsionar a indústria naval, um antigo sonho do PT que, como descobriu a Operação Lava-Jato, tornou-se terreno fértil para corrupção grossa.
Magda Chambriard assume o cargo com missões bem definidas, todas estipuladas pela equipe do presidente. Com essa orientação, o fantasma do intervencionismo estatal voltou a assombrar. E não apenas na Petrobras. Desde o início do governo, Lula e a presidente do PT, a deputada federal Gleisi Hoffmann, reclamam da atuação do chefe do Banco Central, Roberto Campos Neto, indicado ao cargo por Jair Bolsonaro. Eles afirmam que a taxa básica de juros definida pelo BC, que tem contribuído para manter a inflação sob controle, dificulta o crescimento econômico do país e, por isso, exigem cortes expressivos. Essa pressão não tem embasamento técnico e é muito conveniente politicamente. Com ela, o presidente tenta sedimentar no imaginário popular a impressão de que, se a economia não decolar, a culpa não é dele, Lula, mas da política monetária asfixiante e pró-mercado comandada por Campos Neto. Teses falaciosas, como se sabe, não são exclusividade do bolsonarismo. Desde agosto de 2023, o Comitê de Política Monetária do BC tem cortado a taxa básica de juros, mas em sua última reunião reduziu o ritmo da queda de 0,5 para 0,25 ponto percentual.
A decisão foi tomada por 5 votos a 4, com os diretores indicados por Lula saindo derrotados. Isso foi suficiente para espalhar o medo de que, assim que o mandato de Campos Neto terminar, no final deste ano, o presidente da República usará a escolha do sucessor no cargo para interferir no BC, que tem autonomia prevista em lei aprovada por ampla maioria no Congresso. Essa suspeita cresceu a ponto de provocar um comentário de Gabriel Galípolo, diretor do BC nomeado por Lula e considerado favorito para substituir Campos Neto à frente do banco. Num evento com investidores, Galípolo disse que também cogitou cortar a taxa básica de juros em 0,25 ponto percentual e que havia argumentos técnicos para os dois lados. Ele tentou, assim, sinalizar independência em relação ao Planalto, enquanto Gleisi Hoffmann classificava a decisão do BC de um crime contra o país. Combativa, a deputada muitas vezes verbaliza aquilo que Lula pensa, mas evita falar. Ao lado de Rui Costa, Gleisi também está na linha de frente do lobby por mais gastos públicos, que pressiona desde sempre o ministro da Fazenda, Fernando Haddad.
A vida do chefe da equipe econômica não é fácil. O presidente não desautoriza Haddad, mas sempre que pode defende a ampliação dos gastos ou a concessão de favores pela União. Lula também dá corda às pregações de Rui Costa, porta-voz da tese de que nenhum ajuste fiscal pode comprometer programas como o PAC e o Minha Casa, Minha Vida. O presidente e o PT resistem a qualquer iniciativa destinada a cortar despesas ou, pelo menos, torná-las mais racionais. Terceira colocada na última eleição presidencial e peça-chave da frente ampla formada para derrotar Bolsonaro, a ministra do Planejamento, Simone Tebet, tem defendido a desvinculação entre a política de valorização do salário mínimo e os benefícios previdenciários e a inclusão do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) na conta do piso de gastos com educação. Essas medidas teriam como objetivo conter a expansão das despesas obrigatórias e desengessar o Orçamento da União. O debate dessas ideias mal começou, mas a reação já é enorme.
A deputada Gleisi Hoffmann, sempre ela, diz que, se adotadas, tais iniciativas contrariarão o programa de governo eleito em 2022. “É no mínimo preocupante que sejam defendidas pela ministra Simone Tebet. Responsabilidade fiscal não tem nada a ver com injustiça social”, escreveu numa rede social. O raciocínio de Gleisi é no mínimo controverso. Em 2022, Lula derrotou Bolsonaro numa batalha de rejeições. O eleitorado escolheu o que considerou menos pior para o país. Até os petistas reconhecem isso. Na disputa mais acirrada desde a redemocratização, Lula saiu vitorioso porque conseguiu atrair apoios de segmentos de centro e da centro-direita que enxergavam em Bolsonaro uma ameaça real à democracia. Não houve uma opção entusiasmada pelo programa de governo do PT. Não houve um voto de confiança na cartilha petista para a economia. Longe disso. Na ocasião, prevaleceu nas urnas a perspectiva de pacificação do país, de moderação, de um governo que honrasse a frente ampla. Algo que tem ocorrido cada vez menos, inclusive na seara política.
Diante do maior desastre natural da história do Rio Grande do Sul, o presidente resolveu politizar a tragédia e indicar como ministro extraordinário para cuidar da reconstrução do estado o deputado petista Paulo Pimenta, que comandava a Secretaria de Comunicação Social da Presidência. Adversário local do governador Eduardo Leite (PSDB), Pimenta é cotado para concorrer ao Senado ou ao próprio governo em 2026. O novo cargo dá a ele visibilidade e uma oportunidade de ouro de colher dividendos eleitorais, mas também pode ser um catalisador de embates, o que ficou claro numa de suas primeiras entrevistas.