Foto: Reprodução/Daniel Estevão/AscomAGU.
No dia 10 passado, a Advocacia Geral da União (AGU) se encontrou com representantes das principais redes sociais e aplicativos de mensagens em atividade no Brasil. Foi apresentado a eles um “protocolo de intenções”, com o propósito de estabelecer uma comunicação direta entre o governo e as empresas, com a finalidade de “combater a desinformação”. As informações são de O Antagonista.
“Convidamos as plataformas para assinar conosco um protocolo de intenções, e este protocolo visa justamente ter uma atuação mais intensa, mais rápida, mais eficaz no combate ao conteúdo desinformativo”, declarou o advogado-geral da União Jorge Messias à agência de notícias estatal.
De acordo com Messias, a classificação dos conteúdos seria realizada pelo governo “em parceria com agências de checagem”. Além disso, as plataformas removeriam os conteúdos “a partir de algoritmos próprios, de atuação tecnológica interna, a partir dos próprios termos de uso”.
Falta de transparência Parece seguro? Não é, de forma alguma.
Faltou mencionar o mais importante: como os cidadãos comuns vão acompanhar a conversa que ocorre nesse “canal direto”. A participação de agências de checagem no processo de forma alguma garante que os conteúdos classificados como “desinformacionais” não são aqueles que simplesmente desagradam ao governo. Existem agências bastante alinhadas à visão de mundo petista.
Há outros problemas.
Escudo A iniciativa da AGU ocorre em meio às enchentes no Rio Grande do Sul, mas deve continuar após a emergência. Falsas ou verdadeiras, as informações que circulam sobre a tragédia gaúcha atraem a atenção de muitos. Em tempos de “normalidade” não será assim.
No marasmo do dia a dia, essa linha privilegiada do governo com as redes pode facilmente se transformar em um espaço de lobby pela censura de conteúdos incômodos, sem nenhuma visibilidade, nas sombras de Brasília.
A ideia de que a remoção será feita a pedido do Estado, mas “a partir de atuação tecnológica interna” das empresas, poderá se transformar em escudo contra acusações de interferência no debate público. Se as plataformas perceberem vantagens nesse arranjo – como uma redução nos gastos com advogados, por exemplo – podem facilmente se adaptar a ele.
Burocracias da verdade Como observou a Folha de S. Paulo em uma reportagem sobre o tema, o esquema proposto pela AGU tem semelhanças com aquele implementado no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que também criou um batfone (estou me referindo à série do Batman dos anos 60: havia um telefone conectando a sua caverna ao gabinete do comissário de polícia) com as redes sociais.
Além disso, tanto o TSE quanto a AGU criaram estruturas próprias para monitorar a comunicação política nas redes: a Assessoria Especial de Enfrentamento à Desinformação no primeiro caso e a Procuradoria Nacional de Defesa da Democracia, no segundo.
Uma proposta de regulamentação das redes sociais foi barrada no Congresso no ano passado, pois previa a criação de um organismo federal com funções mal definidas, que poderia se transformar em um Ministério da Verdade.
Tanto o poder Judiciário quanto o Executivo já contornaram esse bloqueio. Criaram por conta própria um Tribunal e uma Procuradoria da Verdade. Quem se preocupa com a liberdade de expressão não pode ficar inerte ou se fazer de desentendido.