Foto: Reprodução/ Ariel Ley/ AP.
Inflação alta, taxa de câmbio flutuante e retenção das notas de dinheiro por parte de empresários provocam crise, que gera longas filas em caixas eletrônicos em Havana. Governo lançou programa para incentivar operações com cartão.
Alejandro Fonseca ficou várias horas na fila do lado de fora de um banco em Havana, em Cuba, na esperança de sacar pesos cubanos em um caixa eletrônico. Quando estava quase na sua vez, no entanto, o dinheiro do caixa acabou.
Ele subiu com raiva em seu triciclo elétrico e viajou vários quilômetros até outra agência, onde finalmente conseguiu sacar algum dinheiro depois de desperdiçar a manhã inteira.
“Não deveria ser tão difícil conseguir o dinheiro que você ganha trabalhando”, disse o jovem de 23 anos à Associated Press.
Fonseca faz parte de um número crescente de cubanos frustrados que têm de enfrentar mais um obstáculo enquanto navegam no já complicado sistema monetário da ilha: a falta de dinheiro.
Em Havana, longas filas começam a se formar desde as primeiras horas do dia em frente a bancos e caixas eletrônicos da capital Havana. Os moradores relatam que não conseguem encontrar notas de dinheiro o suficiente para pagar operações de rotina, como compra de alimentos básicos.
Por que falta dinheiro?
Especialistas dizem que há várias razões por trás da escassez, mas todas estão relacionadas com a profunda crise econômica que Cuba enfrenta, uma das piores em décadas.
Omar Everleny Pérez, economista cubano e professor universitário, diz que os principais culpados são:
- Déficit fiscal crescente do governo;
- Inexistência de notas superiores 1.000 pesos cubanos, que no mercado paralelo equivalem a cerca de US$ 3 (R$ 15);
- Inflação elevada;
- Retenção das notas de dinheiro por parte de empresários.
“Há dinheiro, sim, mas não nos bancos”, disse Pérez, acrescentando que a maior parte do dinheiro está na posse não de trabalhadores assalariados, mas de empresários e proprietários de pequenas e médias empresas que têm maior probabilidade de cobrar dinheiro proveniente de transações comerciais, mas estão relutantes em devolver o dinheiro aos bancos.
Isto ocorre, segundo Pérez, ou porque esses empresários não confiam nos bancos locais ou simplesmente porque precisam que os pesos cubanos sejam convertidos em moeda estrangeira.
A maioria dos empresários e proprietários de pequenos negócios em Cuba têm de importar quase tudo o que vendem ou pagar em moeda estrangeira pelos fornecimentos necessários ao funcionamento dos seus negócios.
Como consequência, muitos acabam acumulando pesos cubanos para depois trocá-los por moeda estrangeira no mercado informal. A conversão desses pesos cubanos para outras moedas representa ainda outro desafio, uma vez que existem várias taxas de câmbio altamente flutuantes na ilha.
Por exemplo, a taxa oficial utilizada pelas indústrias e agências governamentais é de 24 pesos por dólar americano, enquanto para indivíduos a taxa é de 120 pesos por dólar. No entanto, o dólar pode valer até 350 pesos cubanos no mercado informal.
Pérez observa que em 2018, 50% do dinheiro em circulação estava nas mãos da população cubana e a outra metade nos bancos cubanos. Mas em 2022, o último ano para o qual há informação disponível, 70% do dinheiro estava nas carteiras dos particulares.
Procurados pela AP, as autoridades monetárias cubanas não comentaram a crise até a publicação desta reportagem.
A escassez de dinheiro ocorre num momento em que os cubanos enfrentam um sistema monetário complexo, no qual circulam várias moedas, incluindo uma moeda virtual, a MLC, criada em 2019.
‘Sociedade sem dinheiro’ foi programa de governo
Em 2023, o governo anunciou várias medidas destinadas a promover uma “sociedade sem dinheiro”, tornando obrigatória a utilização de cartões de crédito para pagar algumas transações – incluindo compras de alimentos, combustível e outros bens básicos. Mas muitas empresas simplesmente se recusam a aceitar os cartões.
Para piorar, a inflação do país está alta, o que significa que são necessárias cada vez mais contas físicas para comprar produtos.
Segundo dados oficiais, a inflação situou-se em 77% em 2021, depois caiu para 31% em 2023.
Mas, para o cubano médio, os números oficiais não refletem a realidade das suas vidas, uma vez que a inflação do mercado pode atingir até três dígitos na economia informal. Por exemplo, uma caixa de ovos, vendida por 300 pesos cubanos em 2019, hoje é vendida por cerca de 3.100 pesos.
Ao mesmo tempo, o salário mensal dos funcionários públicos cubanos varia entre 5.000 e 7.000 pesos cubanos, entre US$ 14 e 20 dólares (entre R$ 70 e R$ 100).
“Viver numa economia que, além de ter várias moedas, tem várias taxas de câmbio e uma inflação de três dígitos é bastante complicado”, disse Pavel Vidal, especialista em Cuba e professor da Universidade Javeriana de Cali, na Colômbia.
Créditos: G1.