Durante os primeiros 15 meses do terceiro mandato de Lula (PT), a Polícia Federal teve vários desentendimentos com outras instituições, incluindo o Exército, a Polícia Rodoviária Federal, o GSI (Gabinete de Segurança Institucional) e a Abin (Agência Brasileira de Inteligência), além do Ministério Público e da Polícia Civil do Rio de Janeiro. As informações são da Folha de SP.
A realização de investigações envolvendo membros de outras instituições, a tentativa de expandir seus poderes e a disputa por influência próxima ao presidente são algumas das razões que colocaram a PF em conflito com outras entidades com as quais frequentemente precisa colaborar.
Por exemplo, com o GSI e os militares, os conflitos surgiram devido à disputa sobre quem seria responsável pela segurança pessoal de Lula e da primeira-dama, Rosângela Lula da Silva, a Janja.
No início de seu mandato, Lula assinou um decreto de seis meses de duração para estabelecer a Secretaria Extraordinária de Segurança Imediata do Presidente da República, que delegou à PF a responsabilidade por grande parte da proteção presidencial.
Embora estivesse previsto desde o início que essa configuração duraria apenas o primeiro semestre, a liderança da polícia tentou prorrogar a medida.
A PF é liderada pelo delegado Andrei Rodrigues, que foi responsável pela segurança de Lula nas eleições de 2022, ocupou posições de alto escalão no governo de Dilma Rousseff (PT) e é uma pessoa de confiança do presidente.
No entanto, sua influência não foi suficiente e a coordenação da segurança de Lula retornou ao GSI, liderado pelo general Marcos Antonio Amaro.
Em relação à Abin, a disputa com a PF já resultou até na demissão do segundo em comando da agência, o ex-diretor-adjunto Alessandro Moretti, em janeiro. Ele foi mencionado em um relatório da polícia sobre o suposto uso da agência durante o governo de Jair Bolsonaro (PL) para espionar opositores políticos.
No relatório, é relatado que, em uma reunião com representantes dos servidores da Abin, em março do ano anterior, Moretti teria afirmado que a investigação sobre a agência tinha “fundo político” e iria passar.
Para a polícia, houve “conluio de parte dos investigados” com parte da alta gestão da Abin, que teria causado prejuízos à investigação e também à própria agência.
A PF sob Andrei Rodrigues assiste ainda ao acirramento na relação com PRF. O clima entre as duas corporações que estão no guarda-chuva do Ministério da Justiça azedou em fevereiro após a PF indiciar 23 policiais rodoviários por uma operação conjunta em Varginha (MG) que resultou na morte de 26 suspeitos.
No relatório, o delegado do caso afirmou que o órgão não tem poder para tocar apurações e fez críticas à atuação dos integrantes da PRF nesse episódio.
“Para a equipe de investigação [ficou] a certeza de que houve uma investigação ilegal perpetrada por órgão sem atribuição constitucional para tal encargo, alapardada dos órgãos de controle e sem registros oficiais”, diz o texto.
A Federação Nacional dos Policiais Rodoviários Federais se manifestou, acusando a PF de negligenciar a população e declarando que irá arcar com os custos dos acusados para contestar laudos que os incriminam por mortes.
O conflito tem como base uma portaria assinada pelo ex-ministro da Justiça Sergio Moro, em 2019, que oficializa a expansão dos poderes da PRF. Nos bastidores, a liderança da Polícia Federal defende a revogação da norma para que as atividades da corporação sejam restritas ao patrulhamento de rodovias.
Com o Exército, a situação é mais complexa. As investigações que buscam determinar se Bolsonaro planejou um golpe de Estado visam vários aliados do ex-presidente que são membros das Forças Armadas, incluindo militares de alta patente.
A relação da PF com as agências de investigação do Rio de Janeiro também está tensa. O relatório da Polícia Federal identificou o que o ministro Flávio Dino, do STF (Supremo Tribunal Federal), descreveu como um “ecossistema criminoso”. De acordo com as investigações, o foco seria a transformação da Divisão de Homicídios da Polícia Civil em um centro de negócios.
A separação entre a PF e a Polícia Civil do Rio de Janeiro é histórica no estado. Um momento significativo dessa ruptura foi o indiciamento pela PF, em 2011, do então chefe de Polícia Civil Allan Turnowski. Ele foi removido do cargo sob a suspeita de vazamento de informações sobre uma operação da PF. Posteriormente, o Ministério Público arquivou a investigação contra ele, resultando em um distanciamento entre as duas corporações.
A isso se soma a disputa pela liderança no combate a organizações criminosas. Como parte da luta por espaço, delegados da Polícia Civil reclamavam do excesso de federais na estrutura da Secretaria de Segurança durante a gestão de José Mariano Beltrame (2007-2016). O atual chefe do departamento, Victor Cesar Carvalho dos Santos, também é delegado federal.
Nessa disputa, a PF acabou fortalecendo laços com o Ministério Público do Rio de Janeiro. As duas instituições conduziram investigações conjuntas, principalmente voltadas para o combate às milícias. Além da investigação da morte da vereadora Marielle Franco (PSOL), PF e MP-RJ trabalharam juntos em inquéritos contra Luis Antônio da Silva Braga, o Zinho, identificado como líder da maior milícia do estado.
No entanto, essa relação institucional foi testada após a divulgação, na semana passada, do relatório da PF sobre a morte da vereadora. A principal reclamação dos membros da instituição é que a resistência à federalização da investigação, logo após o crime, agora é vista como uma forma de dificultar a investigação.
Na quinta-feira (28), o MP-RJ divulgou uma nota afirmando que “não medirá esforços para enfrentar as vis tentativas de desqualificar o trabalho executado”.
O texto não critica diretamente a PF e afirma que o posicionamento busca “refutar as alegações que têm sido ventiladas a partir do relatório” da corporação. No entanto, a nota reflete o desconforto de vários promotores envolvidos no caso.
Com informações da Folha de SP/ITALO NOGUEIRA