A Suprema Corte dos Estados Unidos decidiu manter o nome de Donald Trump na corrida presidencial, anulando por unanimidade a decisão do Colorado que o considerava inelegível devido ao ataque ao Capitólio. Os juízes destacaram que a prerrogativa de desqualificar um candidato da eleição nacional cabe ao Congresso, não aos Estados.
Essa decisão da Suprema Corte põe fim a várias ações semelhantes em todo o país, encerrando a discussão sobre se os Estados têm o poder de remover Donald Trump das primárias com base na Seção 3 da 14ª Emenda. Esta lei, originada na Reconstrução pós-Guerra Civil e em grande parte esquecida na história recente, proíbe indivíduos que tenham participado de insurreição após jurar apoiar a Constituição de ocupar cargos públicos.
De acordo com levantamento do New York Times, a candidatura de Donald Trump foi contestada em 36 Estados, muitos dos quais já haviam rejeitado as ações, enquanto outros aguardavam a decisão da Suprema Corte para seguir sua orientação.
Apesar de ser uma decisão esperada, a conclusão é considerada uma vitória para Trump, que lidera com folga nas prévias republicanas, acumulando 244 delegados para a Convenção Nacional do partido. Enquanto isso, sua rival Nikki Haley alcançou 43 delegados após vencer as prévias no distrito de Columbia no último domingo. Simultaneamente, Trump amplia sua vantagem sobre Joe Biden nas pesquisas para a eleição de novembro.
“É mais uma notícia positiva, no meio de uma onda de boas notícias para Donald Trump”, afirma o professor do departamento de ciência política do Berea College Carlos Gustavo Poggio. “A discussão de tirar da célula por decisão dos Estados está encerrada. O parecer da Suprema Corte acaba com qualquer possibilidade”, acrescenta.
Embora a decisão tenha sido anunciada na véspera da Superterça quando 15 Estados, inclusive o Colorado, realizam prévias simultâneas, Poggio afirma que o impacto político não deve ser significativo.
“O que pode acontecer é que aqueles republicanos – que são poucos – que estivessem mais reticentes por causa dos problemas na Justiça podem se sentir mais encorajados em votar em Donald Trump. Há uma parcela que ainda espera ver se Trump vai ser condenado nos processos, mas o voto daqueles que pretendem votar nele independente do que aconteça está muito consolidado”, afirma.
O Colorado foi o primeiro Estado a decidir que o ataque ao Capitólio equivale à insurreição e que, portanto, o republicano estaria desqualificado. Mesmo assim, o nome de Trump foi impresso nas cédulas. Isso porque o prazo para certificação dos candidatos acabou enquanto corriam os recursos. Caso a Suprema Corte tivesse decidido por manter a inelegibilidade, seus votos seriam descartados. Como isso não ocorreu, a votação de amanhã deve seguir normalmente.
Tribunais do Maine e Illinois seguiram a decisão do Colorado – e a defesa do republicano também recorreu. Mas tirar Trump das cédulas com base na Seção 3 da 14ª emenda estava longe de ser um consenso. No Michigan – um dos Estados considerados decisivo para eleição – ,por exemplo, a Justiça havia decidido mantê-lo na disputa.
Durante a audiência na Suprema Corte, no mês passado, até mesmo os juízes mais liberais se mostraram contrários à ideia de deixar que os Estados decidissem. A preocupação era a confusão que esses diferentes entendimentos poderia criar.
“Nada na Constituição exige que suportemos esse caos – chegando a qualquer momento ou em momentos diferentes, até e talvez além da posse”, afirma a decisão emitida hoje.
O repórter do New York Times especializado na cobertura de política e judiciário Charlie Savage notou que o recado da Suprema Corte é claro: o Congresso não poderá evocar a Seção 3 da 14ª emenda para reverter uma eventual vitória de Trump em 6 de janeiro de 2025, quando o resultado da votação será certificado.
Apesar de abrir caminho para Trump, no entanto, a Suprema Corte não abraçou a tese da defesa, de que essa emenda não se aplicaria ao cargo de presidente. E nem decidiu sobre o mérito da insurreição. Donald Trump ainda enfrenta dois processos pela tentativa de reverter a derrota para Joe Biden em 2020 (sendo um no âmbito federal e outro no Estado da Georgia.
O ex-presidente também responde pelos documentos secretos encontrados na Casa Branca e pela suposta compra de silêncio da atriz pornô Stormy Daniels na eleição de 2016, quando derrotou Hillary Clinton. Esse último vai a julgamento no dia 25 de março.
Para entender como o processo chegou à Suprema Corte
O que diz a 14ª emenda?
Resumidamente, a seção 3 da 14ª emenda estipula que qualquer indivíduo que tenha prestado o juramento de apoiar a Constituição e posteriormente tenha se envolvido em insurreição ou rebelião não pode ocupar cargos públicos nos Estados Unidos. A Constituição permite que o Congresso reverta essa proibição. Após a anistia aos confederados em 1872, essa lei permaneceu inativa, sendo recentemente aplicada uma vez no ano passado para destituir um funcionário no Novo México devido à sua participação na invasão ao Capitólio.
O que disse a defesa de Trump?
A equipe de defesa de Donald Trump explorou o caráter ambíguo do texto e a novidade da situação para rebater a argumentação sobre a inelegibilidade. Um dos pontos levantados foi que o texto menciona explicitamente senadores e representantes do Congresso, mas não faz menção ao presidente. Portanto, os advogados do republicano argumentaram que o termo genérico “officer”, geralmente utilizado para descrever funcionários públicos e autoridades, não seria aplicável neste caso.
Além disso, a defesa do líder republicano destacou que a lei não poderia ser implementada sem antes passar por um processo de regulamentação no Congresso. Isso se deve ao fato de que os mecanismos criados no período pós-Guerra Civil já foram revogados.
O que decidiu o Colorado?
A juíza distrital do Colorado, Sarah B. Wallace, concluiu em novembro do ano passado que as ações de Trump no 6 de janeiro foram, sim, equivalentes a uma insurreição. Mas ponderou que a 14ª emenda não se aplicaria ao caso e decidiu manter o líder republicano nas cédulas.
“Parte da decisão do Tribunal é a sua relutância em adotar uma interpretação que desqualificaria um candidato à presidência sem uma indicação clara e inequívoca de que tal é a intenção da Seção 3″, escreveu a juíza no parecer de 102 páginas.
Suprema Corte do Estado, no entanto, reverteu a decisão da juíza Wallace. “A maioria do tribunal considera que o presidente Trump está desqualificado para o cargo presidencial de acordo com a seção 3 da 14ª Emenda da Constituição”, disse o parecer ao destacar que a decisão não foi tomada de forma leviana. Donald Trump recorreu e o caso foi parar na Suprema Corte.
As informações são do Estadão/JÉSSICA PETROVNA