Foto: Divulgação/Assessoria FJA
Festival Interativo de Música e Arquitetura encerra em Natal, sua terceira edição nacional, homenageando os 120 anos do Teatro Alberto Maranhão, neste domingo, 24/3
Depois de reverenciar teatros históricos em Recife, Ouro Preto, Juiz de Fora, Sabará, Manaus, João Pessoa, Belém e Niterói, o FIMA chega à capital potiguar com a apresentação de virtuosos músicos locais e a participação de especialistas em História e Arte
Depois de homenagear diferentes monumentos arquitetônicos no estado do Rio de Janeiro (1ª edição) e contemplar importantes palácios e museus Brasil afora (2ª edição), o FIMA – Festival Interativo de Música e Arquitetura, em sua terceira edição, se dedica a homenagear os teatros históricos do Brasil, promovendo uma convergência lúdica entre música e arquitetura em alguns dos mais importantes templos da arte e da cultura brasileira. Iniciada em outubro, a terceira edição já percorreu os estados do Pernambuco, Amazonas, Rio de Janeiro, Paraíba, Pará e Minas Gerais (Ouro Preto, Sabará e Juiz de Fora) e chega, agora, em Natal, encerrando esta longa jornada de homenagens. Com patrocínio do Instituto Cultural Vale por meio da Lei de Incentivo à Cultura – Lei Rouanet, Governo Federal – União e Reconstrução, o FIMA oferece concertos presenciais e virtuais, podcast, websérie, conteúdos interativos e todas as apresentações têm entrada gratuita
Em Natal, o FIMA irá homenagear, no domingo, dia 24 de março, um ícone arquitetônico da cidade, o Teatro Alberto Maranhão, edifício imponente no coração do bairro boêmio da Ribeira, um prédio de arquitetura eclética, símbolo da cultura do Rio Grande do Norte, que completa exatos 120 anos de trajetória artística. Um trio de virtuosos locais será guia desta viagem pelo tempo e espaço do homenageado teatro: dois potiguares, a soprano Alzeny Nelo e o pianista Durval Cesetti, se juntam ao carioca residente de Natal e professor da UFRN, Fabio Presgrave, trazendo um diálogo inédito entre a música, a arquitetura e a história deste emblemático teatro. Já os comentários sobre esta casa ficarão a cargo do dramaturgo Racine Santos e da professora de História do Teatro, da UFRN, Monize Moura, responsável pela preservação do acervo documental do Teatro Alberto Maranhão.
“Um dos principais objetivos do FIMA é estabelecer uma conexão afetiva do público com importantes patrimônios históricos brasileiros. Nesta nova edição do Festival, alguns dos mais importantes teatros históricos brasileiros serão celebrados. Edifícios que ao longo do tempo testemunharam importantes capítulos da trajetória artística do país. Através da música e da arquitetura, seremos transportados a diferentes momentos de nossa história, criando uma experiência multissensorial que unirá passado, presente e futuro. Uma jornada de reconhecimento e apreciação da rica trama que compõe a identidade cultural brasileira.” afirma Pablo Castellar, Idealizador, Curador e Diretor Artístico do FIMA.
Teatro Alberto Maranhão: uma breve história
Iniciada em 1898, a mando do segundo Governador eleito pelo voto direto, Joaquim Ferreira Chaves, sua construção ecoava a modernização do Rio Grande do Norte, que chegava com a república recém-instaurada. Seu nome original, Teatro Carlos Gomes, homenageou este grande compositor brasileiro até 1957, quando sua denominação foi mudada a mando do Prefeito de Natal, Djalma Maranhão. A renomeação para Teatro Alberto Maranhão, teve como objetivo homenagear o Governador que concluiu a construção, inaugurando a casa em 24 de março de 1904 e que também promoveu sua grande remodelação pouco tempo depois.
Seu estilo eclético, popularizado na região e em grande parte do Brasil no final do século XIX e início do século XX, se caracterizava pela mistura de estilos arquitetônicos do passado. Originalmente, o edifício possuía uma fachada com inspiração neoclássica de dimensões grandiosas que trazia um frontão triangular, decorado com uma escultura do renomado escultor francês Mathurin Moreau. Três portas de acesso com verga em arco pleno davam acesso ao teatro.
Porém, apenas seis anos após a sua inauguração, o teatro foi completamente remodelado ao longo do segundo mandato de Alberto Maranhão. Alegando que o edifício se encontrava em más condições, o Governador reeleito contratou o arquiteto Herculano Ramos para modificar a edificação. Nesta grande reforma, manteve-se o estilo arquitetônico eclético, mas o teatro recebeu uma forte influência do art nouveau em sua fachada, ganhando um novo pavimento, portões e grades de ferro vindas da França, balcões e obras de arte. Assim, o formato triangular de seu frontão foi substituído por uma fachada retangular, com uma platibanda, omitindo sua cobertura e decorada com volutas, relevos em massa, jarros e estátuas. Já no interior, recebeu cerâmicas belgas para revestir o piso de sua entrada e plateia. O uso do ferro substituindo a madeira na reconstrução do teatro também permitiu, por exemplo, o desenvolvimento de uma maquinaria teatral que permitia trocas de cenários. Além disso, a decoração do prédio carrega uma simbologia, que remetia aos valores que norteavam a construção do edifício.
Encomendados na Europa, seus adornos – que já incluía uma réplica da escultura simbolizando a Arte, feita por Mathurin Moreau – ganhou também medalhões com as máscaras representando o drama e a comédia. Sobre o pórtico com as iniciais de ouro C.G. de Carlos Gomes, representava-se a Ópera, e no vértice do frontão, o tímpano representava a Música. O centro no jardim interno do teatro ganhou uma estátua simbolizando um elemento local, uma Indígena, feita por um francês, Jean-Jules Salmson. Outro detalhe da decoração do Teatro inaugurado foi seu novo pano de boca. Era comum que ele fosse todo decorado por artistas plásticos, mas no caso do Teatro Carlos Gomes, a pintura foi encomendada a um nome importante de Paris, Eugène Carpezat, que fazia telões, cenários para óperas e decorações de teatros. A cena deste pano de boca do Teatro Carlos Gomes, que infelizmente já não existe mais, homenageava este grande compositor brasileiro e tinha, ao fundo, a barra do Potengi e a silhueta do Forte dos Reis Magos. Em primeiro plano, era possível ver personagens da ópera O Guarani.
O programa em diálogo com a história do Teatro Alberto Maranhão
O concerto se inicia celebrando o momento de construção do então Teatro Carlos Gomes, apresentando uma das canções mais conhecidas e amadas de Gomes, fora do âmbito de suas óperas, a modinha “Quem Sabe?”, composta por ele aos 23 anos de idade, em 1859, com letra do jornalista Bittencourt Sampaio.
Para evocar a chegada do Art Nouveau na remodelação deste teatro promovida pelo então Governador Alberto Maranhão, o programa segue com “Elegie”, de Jules Massenet e arranjo de Maike Kornhartque. Com letra de Louis Gallet, a música foi posteriormente adaptada para diversas formações. Nascido em 1842 e falecido em 1912, Jules Massenet foi um dos compositores mais prolíficos e populares da França no final do século XIX e início do século XX, sendo conhecido principalmente por suas óperas, como “Manon” e “Werther”.
Em seguida, o programa joga luz sobre a forte presença do cinema neste teatro – foi nele que aconteceram as primeiras exibições de filmes no Rio Grande do Norte, desde 1906. A partir de 1911, foram construídos, nos bairros da Ribeira, Cidade Alta e Alecrim, prédios de uso exclusivo para cinematografia. Desta forma, o trio interpreta “Royal Cinema”, uma valsa de Tonheca Dantas, inspirada no charme e romantismo do Cinema Royal do bairro de Cidade Alta, inaugurado em Natal no ano de 1913. Tonheça Dantas atuava como clarinetista nesta casa de projeção e fez esta música a pedido do proprietário do cinema, que desejava uma melodia que enriquecesse as aberturas das suas sessões cinematográficas.
Durante o segundo Governo de Alberto Maranhão, o teatro fechou para a realização de uma grande reforma, sendo reinaugurado pela “Gran-Compañía Española de Zarzuela, Òpera y Opereta Pablo López”, em 19 de julho de 1912. Para lembrar desse momento histórico, o programa segue com “De España vengo”, da Zarzuela “El niño judío”, de Pablo Luna. Nesta zarzuela, destaca-se toda a riqueza deste gênero lírico-dramático espanhol, que capta de forma brilhante a essência da cultura espanhola.
O concerto prossegue com duas obras de um Belenense pra lá de Potiguar, Oriano de Almeida. Serão apresentadas “Embalo de Saudade” e “Meu Baraio”, reconhecendo a enorme contribuição deste compositor e pianista para o Rio Grande do Norte e para o Teatro Alberto Maranhão. Sua relação com esta casa se estendeu desde sua infância até sua maturidade profissional, deixando um legado que atravessou décadas. Desde seu primeiro recital neste teatro como solista aos 14 anos, em 1936, Oriano solidificou sua posição como uma força dominante na cena musical deste estado, bem como do Brasil e do mundo.
Outro grande compositor, nascido em Natal em 1928, foi Mário Tavares e dele será executada a obra “Ballada”. Como violoncelista, foi um dos principais intérpretes da obra orquestral de Villa-Lobos, realizando também várias primeiras audições de importantes autores brasileiros. Compositor e maestro titular da Orquestra Sinfônica do Theatro Municipal do Rio de Janeiro, foi membro honorário de várias orquestras sinfônicas estrangeiras e recebeu inúmeros prêmios de composição. Também foi fundador da Associação Brasileira de Violoncelistas e um membro ativo da Academia Brasileira de Música.
Outro personagem marcante da história musical do Rio Grande do Norte, que marcou presença neste histórico teatro, foi o natalense Aldo Simões Parisot, um dos mais renomados violoncelistas e professores de música do século XX. Sua história é interligada também com a de Thomaz Babini, um violoncelista italiano que, após chegar ao Brasil e colaborar com Villa-Lobos, radicou-se em Natal, influenciando diretamente a tradição musical do estado. Babini, ao formar uma escola de violoncelistas e dirigir a escola de música do então Teatro Carlos Gomes (hoje Teatro Alberto Maranhão), lançou as bases para que Parisot e outros músicos locais se desenvolvessem, destacando a importância da música instrumental e, mais especificamente, do violoncelo na identidade cultural potiguar. Aldo Parisot não apenas perpetuou a tradição iniciada por Babini, mas também a elevou a um patamar global, fazendo com que o violoncelo se tornasse um símbolo de excelência e inovação musical do Rio Grande do Norte para o mundo. Faleceu em 29 de dezembro de 2018, aos 100 anos, deixando um legado inestimável para a música clássica e a cultura musical do Rio Grande do Norte. Sua morte ocorreu enquanto ouvia a Ária (Cantilena) da “Bachianas Brasileiras nº 5” de Villa-Lobos, que será apresentada na voz de Alzeny Nelo, ressaltando até o fim sua conexão profunda com a música brasileira e, em particular, com a obra de Villa-Lobos, com quem também colaborou.
Em 1957, após o teatro receber o nome de Alberto Maranhão, a edificação passou novamente por uma grande restauração, sendo reinaugurada em 1960. Foi também no início dos anos 60 que se criou a Divisão de Balé neste teatro. Seus bailarinos participavam ativamente das produções desta casa, como por exemplo na emblemática opereta “Praieira de Meus Amores”, encenada pelo Ginásio de Arte Dramática em 1967. Com texto de Jaime dos Guimarães Wanderley e músicas de Garibaldi Romano, a obra também apresentava a famosa Serenata do Pescador de Eduardo Medeiros e Othoniel Menezes. Originalmente intitulada “Serenata de Pescador” – ou “Praieira”, como ficou conhecida popularmente – havia sido escrita para saudar os pescadores natalenses que, em três barcos a vela, viajaram de Natal ao Rio de Janeiro, dentro das comemorações do Centenário da Independência, em 1922. Othoniel Menezes, contava que uma das maiores felicidades de sua vida era ouvir, nas madrugadas natalenses, o povo cantando sua “Praieira” em serenatas pelas ruas da cidade. Por isso, o concerto se encerra com esta obra que se tornou um patrimônio de Natal pelo decreto-lei nº 12, de 22 de novembro de 1971, do governo municipal de Natal, quando a mesma foi considerada o “Hino da Cidade”. Da mesma forma, em 27 de julho de 1985 o Teatro Alberto Maranhão foi tombado pelo IPHAN e é hoje reconhecido como um dos mais importantes patrimônios culturais da cidade de Natal.
Programação – FIMA
Seguindo no objetivo de construir uma relação afetiva do público com os patrimônios visitados pelo projeto, através de um diálogo cativante e multissensorial, o FIMA – Festival Interativo de Música e Arquitetura, em sua terceira edição, celebra também importantes orquestras brasileiras: a Orquestra Sinfônica do Theatro da Paz (Belém); a Orquestra Amazonas Filarmônica; a Orquestra Sinfônica do Recife; e a Orquestra Acadêmica da Universidade Federal de Juiz de Fora, além da participação especial da Orquestra Sinfônica Jovem de Berlim, reverenciando o Theatro Municipal de Niterói.
Além da programação presencial, o FIMA amplia sua presença digital. Os “Concertos Virtuais FIMA” são exibidos gratuitamente nas redes sociais do festival, em formatos tradicionais e 360º. A websérie “Obras em Nota” antecipará o que será apresentado levando aos espectadores um entendimento mais claro sobre as escolhas das obras apresentadas em cada local, enquanto o podcast “Diálogos FIMA” traz insights e entrevistas com músicos, palestrantes e convidados especiais.
O FIMA também se dedica à educação musical, oferecendo aulas magnas gratuitas com artistas renomados e o projeto “FIMA na Escola”, uma ação educacional com o objetivo de sensibilizar crianças, estimulando novos caminhos de valorização de suas identidades culturais. Tudo isso para que melhor compreendam a importância do patrimônio histórico de suas comunidades.
Dia 24 de Março de 2024
Local: Teatro Alberto Maranhão – Natal
Horário: 17h
Ingresso gratuito
Distribuição de ingressos de 14h as 17h na semana que antecede o espetáculo. No dia do concerto, na própria bilheteria do teatro.
Solistas:
Alzeny Nelo, soprano
Fabio Presgrave, violoncelo
Durval Cesetti, piano
Palestrantes:
Monize Moura, atriz e historiadora
Racine Santos, dramaturgo