Com informações da Revista Oeste, no dia 11 do mês passado, Wellington Luiz Firmino, um motoboy, recebeu a notícia que mais temia: o Supremo Tribunal Federal (STF), sob a relatoria do ministro Alexandre de Moraes, o condenou a 17 anos de prisão por crimes multitudinários, ou seja, ocorridos em multidão sem uma descrição precisa de sua conduta específica.
Firmino foi acusado genericamente pelo ato de 8 de janeiro por associação armada, abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, dano qualificado e deterioração do patrimônio tombado. O Ministério Público Federal (MPF) não descreveu o que ele realmente fez. “Eles simplesmente disseram ‘foram encontrados cacetetes, foram encontrados fogos de artifício’, então, todo mundo é responsável”, explicou Firmino. “Mas eu não vi nada disso, todos foram revistados. Como isso entrou, eu não sei.”
Depois de 11 meses no Complexo Penitenciário da Papuda, no Distrito Federal, Firmino foi solto em novembro. Agora, ele aguarda o recurso judicial em sua cidade, Sorocaba, no interior de São Paulo.
Divorciado e sem filhos, seus dependentes são seu pai, o ex-pedreiro Luiz Carlos Firmino, de 62 anos, e seu cachorro Apolo, de 7 anos. “Meu pai não tem renda. Até cesta básica levaram para ele enquanto eu estava preso”, disse Firmino. “E levaram ração e remédio de pulga para o meu cachorro. Acho que o Apolo ficou chateado comigo porque eu desapareci, mas agora já voltou ao normal.”
Até o dia 8 de janeiro, as únicas infrações cometidas por Firmino foram multas por excessos no trânsito – algumas para salvar vidas. Apaixonado por motocicletas, culinária e astronomia, o motoboy se especializou em entregas hospitalares.
“No momento em que fui preso, meu forte era o transporte de medicamentos de alto custo e de uso emergencial”, disse Firmino. “É maravilhoso transportar córnea, sangue. Você chega ao hospital e os médicos o recebem de braços abertos, porque estão esperando muito por aquilo.”
Cumprindo medidas cautelares, Firmino garante que não ocupa o pensamento com o medo de que pode a qualquer momento voltar para a prisão e só sair perto de completar 50 anos. “No pior cenário, vou deixar minha casa pronta para o meu pai”, disse Firmino. “A coisa que eu mais queria, de coração, era ver um país próspero para pensar em ter filho, mulher, família. Mas minha esperança no Brasil hoje é bem pequena.”
Com um senso de humor peculiar, entre a resiliência e o riso, Firmino recorre a piadas sobre si mesmo e seu drama em vários momentos. Confira os principais trechos da entrevista.
De Sorocaba à Praça dos Três Poderes, como foi sua participação no ato de 8 de janeiro? Eu iria de ônibus, mas precisei fazer uma entrega em um Haras e dei minha passagem. Na sexta-feira, dia 6, um rapaz que estava no QG de Sorocaba propôs irmos de carro. Fomos em três pessoas na intenção de voltar no domingo à noite, porque na segunda-feira eu teria trabalho. Acampei em Brasília e não vi mais os rapazes. Na manhã do dia 8, fui para a frente do QG. Tinha um policial militar do DF, acho que era segurança de trânsito, usava colete refletivo verde, nos convidando para ir até o Congresso. A viatura estava parada embaixo, e ele subiu no caminhão para convidar as pessoas, falando que a gente sairia ao meio-dia e que eles escoltariam os 8 quilômetros a pé. E assim foi. Se a polícia vai escoltar, não há motivo para você dizer “não”. A polícia literalmente conduziu todo mundo até os Três Poderes. A cerca de 100 metros da rodoviária, tinha uma barricada revistando, abrindo bolsas. Todos foram revistados. No meu celular tinha vídeo disso. Até a Praça dos Três Poderes, eram mais uns 300 metros. Quando chegamos, estava tudo aberto. As pessoas já estavam na laje e nas rampas.
O que aconteceu com os vídeos que o senhor gravou do evento? A Polícia Federal entregou o que interessava para eles. Ao que interessava para mim, deram fim. Se quisessem pegar bandido, seria lindo. Me vincularam a 45 mil contatos para chegar ao Bolsonaro. Como se Bolsonaro fosse mandante ou algo do tipo. Então, é assim: eu conheço fulano, fulano conhece sicrano, que conhece Bolsonaro, e assim fizeram elos de ligação. Estão com arquivos meus feitos desde 2013, quando comecei a participar dos movimentos “Fora, Dilma!”. Votei na Dilma e me arrependi, naquela época nem sabia o que era esquerda e direita. Estão usando meus vídeos para alegar um golpe de Estado. Se eu estava feliz por estar lá dentro? É óbvio. Mas não quer dizer que eu queria um golpe de Estado. Era uma manifestação pacífica como todas as outras, não tinha uma organização. Eram pessoas se manifestando para todos os lados. A gente tinha que, no mínimo, ter armas e alguém para colocar no lugar do presidente. E a gente não tinha nada. Quem bagunçou não foi preso.
O que aconteceu quando entrou no Congresso? Fiquei no Salão Verde [saguão da Câmara dos Deputados], sentei no chão para carregar meu celular. Fiquei conversando com uma policial legislativa, loura de cabelo encaracolado. Até aquele momento eu não sabia que existia uma Polícia Legislativa Federal, a mais remunerada do país. Aí fiquei pesquisando sobre eles. Passados uns 40 minutos, abriram a porta e outra polícia de choque começou a jogar bomba de dentro para fora. Não consegui filmar, mas consegui olhar: já estava quebrado lá dentro. E ninguém tinha entrado lá ainda. Não sei o que estava quebrado, mas deu para ver cadeiras reviradas. Naquele momento, corri para a escada de incêndio. Já estavam jogando bombas lá fora. Então, as pessoas estavam recuando para dentro, só que estavam jogando bomba dentro também. Fiquei preso sozinho na escada de incêndio. Aí eles cortaram a energia. Como fiz um vídeo ironizando, estão alegando que eu desliguei os geradores. Como alguém sem conhecimento da planta vai saber onde está o gerador? Nisso, subi até o décimo andar e, 20 minutos depois, fui para a torre da direita. Fiquei sozinho em todos os lugares por que passei e não tinha nada quebrado. Fiquei lá em cima fazendo vídeos e lives para o Instagram, e balancei uma bandeira. Tentei descer algumas vezes, mas era muito gás.
Em que momento o senhor foi preso? Quando decidi descer. A energia tinha voltado, e as portas estavam abrindo. Desci dois andares e escutei alguém subindo. Me escondi na sala de algum deputado. Quando ouvi o barulho de rádio, sabia que era a polícia, então abri a porta e me identifiquei: “Como eu saio daqui?”. Nisso, me jogaram no chão dizendo que eu estava preso e me chamando de vagabundo. Me revistaram e não encontraram nada. Naquele momento eu já era “terrorista”. Me levaram até o raio X, passaram minhas coisas e me levaram para a Delegacia Legislativa, com mais três outros. Eu só tinha água, chocolates, meu celular, o fone de ouvido, um colchonete e uma mochila com roupa. Na madrugada do dia 9, fomos para a audiência de custódia. Fiquei incomodado.