Nos Estados Unidos, o ato de consumir leite tem se tornado alvo de bullying, especialmente nas plataformas de redes sociais. Esse fenômeno, denominado “milk shaming”, tem impulsionado iniciativas das indústrias leiteiras do país para promover a defesa do consumo da bebida.
O TikTok é uma das principais ferramentas utilizadas para ridicularizar aqueles que consomem leite, mas também tem se destacado como um espaço onde muitos indivíduos se mobilizam para apoiar e justificar o consumo da bebida.
“Não consigo ter paz ou uma boa noite de sono só porque eu bebo leite da teta de uma vaca. E, porque você bebe [leite] de aveia, de caju, de soja, você acha que é melhor que eu? Isso está indo muito longe. Esse movimento tem que parar”, desabafa um consumidor.
Em outro vídeo, uma usuária pede desculpas a quem já tirou sarro por beber leite e afirma que também passou a gostar. No entanto, recebe diversos comentários negativos:
“Ok, mas leite de vaca ainda é ruim para o meio ambiente e causa as mudanças climáticas”, diz um deles.
Usuário do TikTok faz Milk Shaming com consumidora de leite de vaca. — Foto: Reprodução
“Tão fofo que você ama o sabor de leite de vacas estupradas, que é destinado aos seus filhos assassinados”, afirma outro comentário.
Usuário do TikTok faz Milk Shaming com consumidora de leite de vaca. — Foto: Reprodução
Mas esse movimento não surgiu do nada. Para a pesquisadora da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) Gado de Leite e membro da International Milk Promotion Kennya Siqueira, essa mentalidade foi gerada por um marketing agressivo contra o setor lácteo nos Estados Unidos, feito, inclusive, por empresas que comercializam leite vegetal.
No país, esses grupos são conhecidos como “anti dairy”, ou “contra os laticínios” em tradução livre.
Entenda a seguir como esse movimento cresceu nos EUA a partir dos tópicos abaixo:
Quais argumentos são usados?
Existem três crenças principais usadas por quem faz o “milk shaming”, aponta a pesquisadora. Veja a seguir.
A pecuária leiteira prejudica o meio ambiente devido às emissões de metano.
Apesar de qualquer produção pecuária emitir gases do efeito estufa, o maior impacto vem da criação de gado para corte, ou seja, para fazer carne, explica Renata Potenza, pesquisadora do Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora).
A pecuária representa 12% das emissões de gases de efeito estufa causadas pelas atividades humanas, aponta relatório da FAO, organização das Nações Unidas para alimentação e agricultura, publicado em dezembro do ano passado e que usa 2015 como ano referência.
Apenas considerando a pecuária, o gado bovino é a principal fonte de emissões, sendo 62% do total. Mas, ao filtrar por produtos, a produção de carne é a principal causa (67%) e não a de leite (incluindo de outros animais, como búfalo e cabra), que representa apenas 30% dessas emissões.
Considerando apenas o Brasil, a emissão de gases da pecuária bovina de corte é cerca de 8 vezes maior do que da de leite, mostra o Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (SEEG), uma iniciativa do Observatório do Clima.
Para a pesquisadora, não é possível negligenciar as emissões da pecuária leiteira, mas os esforços para redução devem ser voltados para a de corte, por ter maior impacto.
Além disso, ela aponta que já existem tecnologias para diminuir a poluição dessas criações. Por exemplo, o uso de suplementação que melhora a alimentação do animal, diminuindo as suas emissões de metano.
➔ Os animais são maltratados para a produção de leite
Em relação à alegação de que os animais são maltratados, Kennya Siqueira, da Embrapa, afirma que, atualmente, a maioria dos produtores prezam pelo bem-estar animal, inclusive, porque isso ajuda a vaca a produzir mais leite e de melhor qualidade.
No Brasil, por exemplo, existe legislação para este tema desde 1934, com o Decreto nº 24.645, que estabelece medidas de proteção animal, e que foi seguido de outras normas.
É o caso da Instrução Normativa n° 56, de 2008, que determina que os animais tenham um ambiente de descanso de qualidade, dietas satisfatórias e seguras e um manejo adequado para minimizar o estresse.
➔ Humanos não são feitos para consumir leite
Já em relação ao nosso corpo não ser feito para consumir leite, para a bebida fazer mal depende de vários fatores:
- genética;
- dificuldades de digestão;
- individualidade bioquímica;
- quantidade ingerida;
- qualidade da bebida.
Nesses casos, o leite pode sim despertar um processo inflamatório de baixo grau, sensibilidades digestivas e absortivas com respostas diferentes, principalmente, quando o organismo tem dificuldade de digerir e absorver seus componentes de forma adequada, explica a nutricionista e CEO da clínica TrinuTrix, Karin Alessandra Honorato.
Mas não dá para afirmar que todos os seres humanos devem evitar a bebida, aponta. Isso porque, para outros organismos, ela pode ser bem nutritiva, pois é rica em proteína de qualidade, cálcio e uma série de vitaminas e minerais quando é um leite produzido adequadamente. Por isso, pode ser útil na nutrição humana, mesmo na fase adulta.
Preconceito geracional
Não é de hoje que existem os grupos “anti dairy”. Siqueira ouviu falar pela primeira vez deles em 2012. Ainda assim, o “milk shaming” é impulsionado, principalmente, pelas gerações Y (nascidos entre 1980 e 1995) e Z (nascidos entre 1995 e 2010), aponta a pesquisadora.
Os mais novos da geração Y e os mais velhos da Z se preocupam muito com o meio ambiente, explica. “À medida que essa informação de que o leite é ruim para o meio ambiente foi disseminada, eles compraram muito essa ideia”, diz.
Com o intuito de transformar essa realidade, o segmento da pecuária leiteira nos Estados Unidos uniu esforços para desenvolver iniciativas e sensibilizar sobre o “milk shaming” e a relevância do consumo de leite de vaca.
Uma das mais recentes é a OK2Milk, protagonizada por Queen Latifah, renomada rapper, atriz, compositora, produtora de televisão, produtora musical, comediante e apresentadora.
A campanha é conduzida pela MilkPEP, o Programa Nacional de Promoção do Processador de Leite Fluido, estabelecido pelo Departamento de Agricultura dos EUA.
De maneira humorística, os vídeos da campanha buscam evidenciar “o quão absurdas tornaram-se as reações ao consumir o amado leite lácteo tradicional”, conforme explicado em comunicado da MilkPEP.
Além de oferecer esse “apoio moral” aos apreciadores de leite de vaca, a iniciativa também se compromete a destinar 100% dos lucros à STOMP Out Bullying, uma organização dedicada à prevenção do cyberbullying.
As informações são do G1