Uma senhora de 77 anos foi detida na Delegacia Regional de Bacabal, localizada a aproximadamente 254,3 km de São Luís, devido a um equívoco judicial. O nome da aposentada, Francisca Alves Feitosa dos Santos, foi erroneamente incluído no Banco Nacional de Mandados de Prisão do Conselho Nacional de Justiça.
Francisca Alves passou a noite sentada em uma cadeira na delegacia, privada de alimentação, após ter sido presa devido a um mandado de prisão definitiva relacionado ao crime de tráfico de drogas. O mandado foi emitido pela Justiça do estado de Rondônia. A detenção ocorreu em 27 de fevereiro, na comunidade Aldeia do Odino, na zona rural de Bacabal, onde a idosa reside em uma casa de taipa e coberta de palha.
“Eu vinha chegando da roça com meus maxixinhos, como eu mostrei. Aí quando eu cheguei eles chegaram dizendo: ‘bora, bora, você tá presa’. Eu disse ‘tô presa meu amor’, eu levei em graça. Eu não matei, eu não roubei. Aí eu peguei um (policial) que eu conhecia, ‘pois eu vou presa mais tu’. Aí ele falou que era coisa séria e que eu ia saber (o motivo da prisão) lá no presídio” relatou a idosa.
Ao ingressar na prisão, a família de Francisca foi informada sobre a existência de um mandado de prisão em seu nome, acusando-a de envolvimento em um caso de tráfico de drogas. A acusação refere-se à condução de um veículo transportando substâncias ilícitas, supostamente ocorrido em 2020, na cidade de Porto Velho, capital de Rondônia.
Surpreendentemente, Dona Francisca não possui Carteira de Habilitação, é analfabeta e, além disso, nunca esteve na cidade de Rondônia.
“A mãe nunca andou nessa cidade, nunca pisou pro rumo daí, ninguém sabe, ela não sabe. Nós que somos mais novos, nós não ‘sabe’. Desse mandado de prisão, a gente não sabia, de 2020, a gente não sabe. E ela é uma pessoa analfabeta, não sabe ler, não sabe escrever”, destaca Francivan Feitosa, filho de dona Francisca.
Na manhã do dia 28, a aposentada foi levada para o Presídio de Bacabal, de onde seria transferida para o sistema penitenciário de São Luís. Mas, antes da transferência, a Justiça reconheceu o erro e mandou a polícia soltar a aposentada.
Durante a audiência de custódia, ao examinarem minuciosamente o processo e o mandado de prisão, tanto a promotoria de justiça quanto o advogado concluíram que dona Francisca era vítima de um grave equívoco por parte do sistema judiciário de Rondônia. A idosa havia sido detida erroneamente no lugar de um homem condenado por tráfico de drogas.
De acordo com o advogado, o equívoco ocorreu no momento do registro da decisão judicial no Banco Nacional de Mandados de Prisão, vinculado ao Ministério da Justiça. Dona Francisca foi erroneamente identificada como alvo no mandado de prisão, que deveria ter sido destinado a Diego Alves de Sousa.
No ano de 2020, Diego foi detido em flagrante na cidade de Porto Velho, conduzindo um veículo que transportava substâncias ilícitas. Em 2021, ele foi condenado pela Justiça de Rondônia a cinco anos e dez meses de reclusão.
“No momento de cadastrar o mandado de prisão, ao invés de cadastrar o senhor Diego Alves, cadastraram foi o nome de dona Francisca e ocasionou tudo isso. Só não havia o RG, mas havia o cadastramento do CPF, endereço, nome da mãe dela e o nome da mãe dela” explicou o advogado da idosa, Danilo Pereira de Carvalho.
Sobre o porquê de o nome da idosa ter ido parar no banco de dados, o advogado disse que ainda é um mistério.
“Porque esse sistema, só quem tem acesso são os servidores. O gênero é diferente, Diego para Francisca tem muita desproporção. Dona Francisca tem uma idade elevada, é um verdadeiro mistério como os dados dela foram parar lá no sistema de cadastramento do Banco Nacional de Mandados de Prisão. Então, é muita discrepância, chega a ser bizarro mesmo”, destacou o advogado da vítima.
Diante da constatação, a promotora de justiça Laura Amelia Barbosa pediu à juíza de Bacabal que não homologasse o cumprimento da prisão, uma vez que era ilegal.
“A gente notou a dúvida fundada, será que é esta senhora? Então me manifestei com a Vara de origem. O juízo de lá respondeu já com um despacho determinando a soltura, afirmando que houve um erro material e determinou a expedição de um contramandado e então, imediatamente, foi determinando que a dona Francisca fosse posta em liberdade”, destacou a promotora Laura Amélia Barbosa.
A Justiça de Rondônia reconheceu o erro e, além de emitir o contramandado de prisão e um alvará de soltura, também emitiu uma certidão de Nada Consta de Francisca Alves. Após a audiência, a aposentada foi solta.
Três dias depois de receber a liberdade, a idosa ainda tenta entender o que aconteceu com ela. A família de Francisca questiona como o mandado de prisão saiu da Justiça de Rondônia, chegou até a Polícia Civil em Bacabal, no Maranhão, e ninguém percebeu o erro.
“Falharam sim, quando veio o mandado de lá era para eles pegar e ler. Ele é um delegado, um delegado é formado pra isso, para investigar. Primeiro ele teria que investigar”, afirmou Francivam Feitosa.
Agora, dona Francisca e a família dela querem que os danos sejam reparados. Eles alegam que, além dos traumas emocionais e dos danos morais causados pela prisão indevida, também houve a perda de uma sobrinha de 45 anos. Segundo eles, Irene Feitosa, ao saber da prisão da tia, sofreu um infarto e morreu no hospital.
“Ela passou mal, deu uma dor no peito dela. Aí o menino disse que era melhor levar ela no hospital. Aí levou no hospital e infartou, morreu. Então a causa da morte da minha prima foi a prisão da minha mãe”, disse Maria Rita Alves, filha de dona Francisca.
A Justiça de Rondônia comunicou, por meio de comunicado oficial, que tomou todas as medidas administrativas necessárias para investigar e determinar responsabilidades no caso assim que foi informada sobre a prisão.
Após entrar em contato com a Justiça do Maranhão, foi identificado um erro material na informação dos dados do Banco Nacional de Mandados de Prisão. O alvará de soltura foi emitido pela 1ª Vara de Delitos Tóxicos de Porto Velho, que também emitiu um novo mandado de prisão contra o verdadeiro réu.
Leia a nota na íntegra
O Poder Judiciário de Rondônia informa que todas as providências administrativas com relação à apuração e responsabilização foram adotadas logo após tomar conhecimento do fato.
Após o contato da Justiça do Maranhão, constatou-se erro material na informação de dados ao Banco Nacional de Mandados de Prisão.
Diante disso, foi imediatamente suspenso o mandado contra à senhora Francisca Alves Feitosa dos Santos, cujo cumprimento pela polícia judiciária maranhense ocorreu em 28/02/2024.
No mesmo dia, foi proferida decisão pela 1ª Vara de Delitos de Tóxicos da comarca de Porto Velho, que determinou a expedição de alvará de soltura, posto que ela não era parte do processo, e emitido novo mandado de prisão em desfavor do verdadeiro réu.
Com informações de G1