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Originária do Complexo Penitenciário da Mata Escura, em Salvador, a facção Bonde do Maluco (BDM) surgiu em 2015 seguindo o padrão de outros grupos criminosos brasileiros. Hoje, é reconhecida em documentos oficiais como uma das maiores e mais perigosas organizações criminosas do país, com participação no tráfico internacional de drogas.
Criada por um assaltante de banco falecido em 2019, o BDM cresceu ampliando territórios e parcerias no fornecimento de drogas e armas. Seu principal aliado é o Primeiro Comando da Capital (PCC), de São Paulo, para onde muitos criminosos têm fugido.
Essas facções, ao se unirem, intensificam suas atividades visando expandir seus negócios, inclusive para fora do Brasil. O Porto de Salvador desponta como uma alternativa aos terminais de Santos e do Rio de Janeiro, que já são alvos frequentes de operações policiais contra o tráfico internacional.
O BDM é uma das 14 organizações criminosas no sistema carcerário da Bahia, segundo relatório do Ministério da Justiça e da Segurança Pública. Esse estado é o segundo com mais grupos desse tipo. No total, foram mapeadas 72 facções em presídios por todo o país.
A guerra entre facções rivais e as ações letais da polícia têm contribuído para a escalada da violência na Bahia nos últimos meses. Essa situação pressionou o governo a lançar um plano de emergência em outubro, com envio de recursos e agentes federais.
Desde que a relação entre PCC e BDM se estreitou em 2016, as apreensões de cocaína no porto de Salvador aumentaram significativamente, passando de 810 quilos para 8 toneladas em 2020, segundo a Polícia Federal (PF). Já em Santos, as apreensões superam as 20 toneladas.
Três anos depois, durante as investigações da Operação Descontaminação, a PF descobriu que o PCC estava recrutando pessoas na Bahia para enviar drogas ilegalmente para a Europa. Em setembro de 2022, três funcionários de uma empresa que operava no Porto de Salvador foram presos tentando enviar 165 quilos de cocaína em contêineres.
A Companhia Docas do Estado da Bahia, responsável pelo terminal, afirmou em comunicado que monitora constantemente as embarcações e apoia as operações. Sobre os funcionários presos, não fez comentários.
Diego Gordilho, delegado da PF, destaca que o PCC sempre buscou alternativas para enviar drogas internacionalmente, especialmente cocaína, que tem um alto valor no exterior. “Os portos têm uma grande importância nesse cenário de exportações ilegais, tanto em cascos de embarcações quanto em contêineres”, afirma.
Um relatório do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime de 2022 revela que as organizações criminosas no Brasil estão buscando portos menores no Nordeste e no Sul do país para diversificar suas rotas de escoamento de drogas. Essa tendência já era observada antes da pandemia de COVID-19, mas se intensificou durante o período de crise sanitária.
Na Bahia, o BDM se tornou um parceiro ideal para o PCC devido ao seu domínio sobre os principais pontos de tráfico do estado, principalmente entre Salvador, Recôncavo Baiano e o norte.
Apesar da diversidade de facções no sistema carcerário baiano, o BDM é predominante. Segundo o mapeamento do Ministério da Justiça, abriga pelo menos metade dos detentos da Bahia que pertencem a alguma organização criminosa.
O relatório do Ministério da Justiça também aponta que o BDM “tende a se tornar nacional em função de sua aliança com o PCC”. Já está presente em outros estados, como Mato Grosso do Sul e Piauí.
A força do BDM se baseia em sua capacidade de agregar pequenas facções e na intensidade do terror que exerce. Desde o início, os membros do BDM têm divulgado imagens nas redes sociais mostrando criminosos armados com fuzis e cometendo homicídios com tortura, como forma de demonstrar poder e intimidar rivais.
Em maio do ano passado, a PF descobriu que o BDM transformou a Ilha de Maré, na Baía de Todos-os-Santos, em um ponto estratégico para armazenar drogas e armas que seriam transportadas de barco para outras localidades. A ilha fica próxima aos portos de Salvador e de Aratu.
Zé de Lessa, criador do BDM, sempre teve uma visão empresarial do tráfico de drogas ilegais e viu na aliança com o PCC uma oportunidade de ampliar suas operações no tráfico internacional de drogas e, consequentemente, de ter acesso a mais armas e matéria-prima.
Com a expansão da facção na Bahia, o Comando Vermelho (CV), rival do PCC, decidiu estabelecer presença em Salvador a partir de 2020. Até então, atuava como uma subsidiária de outras organizações baianas, como o Comando da Paz, que hoje está praticamente extinto.
O aumento da violência na Bahia está relacionado a essa disputa entre as facções. Um indicador disso são os números de mortes em operações policiais de combate ao tráfico, que totalizaram 1.689 no ano passado, segundo o Ministério da Justiça – um aumento de 15% em relação a 2022, o maior número do país.
A Secretaria de Segurança Pública da Bahia declarou que as operações de combate às facções são uma prioridade, especialmente através da Força Integrada de Combate ao Crime Organizado.
A multiplicação das facções criminosas na Bahia também aumenta o risco de motins e rebeliões nas prisões, onde esses grupos geralmente se formam, alerta o delegado Gordilho, da PF.
Fora das prisões, essa situação se traduz em mais violência nas ruas. O bairro Pero Vaz, em Salvador, se tornou um dos epicentros da guerra entre o BDM e o CV. Situado na periferia, o bairro está no centro urbano, entre duas rotas importantes: a BR-324 e a região do Comércio, onde fica o Porto de Salvador.
Desde o último domingo, três pessoas foram baleadas em tiroteios e nove carros foram incendiados no bairro. “O crime organizado, especialmente o tráfico de drogas, traz consigo crimes conexos, como assassinatos, que também afetam a sociedade”, ressalta Gordilho.
No ano passado, o BDM fechou uma nova aliança com o Terceiro Comando Puro (TCP), facção do Rio de Janeiro que tem como principal rival o Comando Vermelho.
As tensões entre as facções ficaram evidentes em um pedido de prisão preventiva de dois membros do BDM feito pela PF em 2022. Os líderes da facção temiam que as lideranças paulistas negociassem drogas e armas na Bahia sem a sua intermediação. Na época, BDM e PCC precisaram reafirmar o acordo de cooperação.
Um grupo de mensagens chamado “Aliança entre BDM e PCC” foi criado para alinhar as ações entre as facções. Essa parceria não só facilita o transporte de drogas e armas entre Salvador e São Paulo, mas também a migração de criminosos entre os estados, conforme documentos de investigação apresentados à Justiça.
Entre as ações do governo baiano para combater as facções estão a contratação de cerca de 2.500 policiais e bombeiros, a aquisição de softwares de inteligência, armamentos, viaturas semiblindadas e cursos de capacitação. O governo também investe em inteligência e afirma ter localizado 33 líderes de facções em 2023.
“A ação investigativa e repressiva qualificada resultou na apreensão recorde de 55 fuzis em 2023, na localização de 11 toneladas de drogas, na desarticulação de 18 laboratórios de cocaína, em 15.600 prisões e na apreensão de 5 mil armas de fogo”, destaca a secretaria.
O Ministério Público Federal (MPF) confirmou que existem dois procedimentos ativos relacionados ao Bonde do Maluco. No entanto, devido ao sigilo, não pôde divulgar informações sobre o conteúdo desses procedimentos.
A Polícia Civil e o Ministério Público da Bahia foram procurados para comentar as investigações, mas não responderam.
José Francisco Lumes, conhecido como Zé de Lessa e criador do BDM, faleceu durante uma operação policial na divisa com o Paraguai, em dezembro de 2019. O BDM foi criado para ampliar as operações de outra facção baiana, a Caveira, e desviar o foco das investigações dessa organização criminosa, conforme relatório da Coordenação de Monitoramento e Avaliação do Sistema de Administração Penitenciária da Bahia.
Um racha interno na Caveira transformou antigos aliados em rivais, e Zé de Lessa emergiu como líder do BDM.
A cidade onde Zé de Lessa faleceu, Coronel Sapucaia, em Mato Grosso do Sul, faz fronteira com o Paraguai, um dos principais fornecedores de drogas da América Latina.
O Paraguai é de grande importância no combate ao crime organizado na América do Sul devido à sua fronteira terrestre e fluvial com o Brasil. Muitas lideranças de organizações criminosas buscam o Paraguai como refúgio para gerenciar suas atividades ilegais, observa o delegado Gordilho.
Os negócios ilícitos do BDM abrangem várias áreas. Quatro membros do BDM foram presos por participar de um esquema de extorsão virtual no Distrito Federal. A investigação revelou que a quadrilha anunciava a venda de pacotes de conteúdo sexual por meio de um aplicativo de mensagens e depois extorquia as vítimas.
Com informações do Estadão.