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Fuga de Mossoró, nota técnica sobre aborto e declaração de Lula sobre Israel catalisaram processo de aglutinação dos opositores ao governo
14 de fevereiro, 18 de fevereiro e 28 de fevereiro. Em quinze dias, a oposição ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ganhou três munições que dialogam com os valores mais basais para a direita brasileira: família, religião e segurança pública.
Tudo começou com a fuga de dois criminosos ligados ao Comando Vermelho da penitenciária de segurança máxima de Mossoró, no Rio Grande do Norte, em plena madrugada de quarta-feira de cinzas.
O fato inédito colocou uma crise no colo do novo ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, empossado com pompa pelo presidente depois de sua saída do Supremo Tribunal Federal. Com 14 dias no cargo, o sucessor de Flávio Dino recebeu a notícia de que havia a intenção de convocá-lo à Câmara e ao Senado para dar explicações sobre o fato.
Apenas quatro dias depois, em meio às buscas pelos foragidos, Lula deu uma declaração em meio à viagem que fazia à Etiópia, na África, que se transformaria no mais graúdo pedido de impeachment contra ele até agora.
“O que está acontecendo na Faixa de Gaza com o povo palestino não existiu em nenhum outro momento histórico. Aliás, existiu. Quando Hitler resolveu matar os judeus”, disse o presidente.
Capitaneado pela deputada Carla Zambelli (PL-SP), o pedido reuniu 140 assinaturas na Câmara Federal. A acusação foi de crime de responsabilidade por “cometer ato de hostilidade contra nação estrangeira, expondo a República ao perigo da guerra, ou comprometendo-lhe a neutralidade”. Endossaram a ofensiva até mesmo deputados de partidos que têm ministérios na Esplanada.
O terceiro ato que movimentou a oposição foi a nota técnica sobre o aborto baixada pelo Ministério da Saúde. Revogada logo depois de sua publicação, o documento propunha mudar o prazo dos abortos legais de 21 semana para 9 meses.
A repercussão foi a pior possível porque, além de resgatar uma pauta adormecida desde setembro, quando Rosa Weber deu um voto para legalizar o aborto em sua despedida do STF, o governo também fez uma confissão pública de culpa ao dizer que a peça não tinha passado por todas as instâncias necessárias. Ou seja, a própria ministra Nisia Trindade poderia nem sequer ter sido avisada sobre o teor da nota.
Nísia já vinha se tornando alvo prioritário para os opositores de Lula pela disputa de cargos do Ministério da Saúde nos estados e por conta da situação da dengue no país. O orçamento da pasta é um dos maiores, com mais de R$ 200 bilhões no caixa em 2024.
Mesmo revogada, a nota técnica gerou tamanha repercussão que o próprio presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), chegou a tratar do assunto com representantes da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).
Sem querer, o governo acabou ofuscando a nova fase da carreira de Lewandowski, a saga internacional de Lula se apresentando como mediador de conflitos no Sul Global e os esforços da Saúde no combate à dengue.
Aliados do presidente poderiam dizer que as declarações sobre Israel tiveram impacto calculado, que a fuga de Mossoró foi consequência de um sistema herdado em frangalhos e que a nota do aborto foi um equívoco pontual rapidamente corrigido.
O problema é que não dá para voltar atrás e, em um ano em que o governo tem pressa pra aprovar medidas cruciais, ter a oposição unida em atacá-lo pode ser um revés pesado. Faltam apenas quatro meses e meio para o recesso parlamentar do meio do ano — que será emendado com o início das campanhas nas cidades para as eleições –, quando Brasília deve funcionar em operação tartaruga, como de costume.
Ou o governo se concentra em não errar ou pode ficar difícil para recuperar o tempo perdido.
CNN