Foto: Reprodução/Pedro Ladeira 24.ago.23/Folhapress.
A possível nulidade ou rescisão da delação de Mauro Cid, comprometida após o vazamento de um áudio no qual o ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro afirma ter sido coagido pela Polícia Federal, tem gerado divisão entre especialistas sobre o impacto que poderia ter na validade das provas já reunidas pela investigação.
A questão de invalidar a delação está sob análise no STF (Supremo Tribunal Federal). O tenente-coronel foi preso na sexta-feira (22) após uma audiência na corte sobre o áudio vazado. Durante a oitiva, o militar negou ter sido coagido pela PF e não revelou com quem estava falando ao fazer as declarações gravadas, nas quais alegava ter sido pressionado a fornecer informações falsas.
De acordo com o STF, Cid foi detido por “descumprimento das medidas cautelares e por obstrução da Justiça”. Autoridades da PF afirmam que o militar teria violado o compromisso de confidencialidade da colaboração, com o intuito de atrapalhar as investigações. Acrescentam ainda que a eventual anulação da delação não afetaria as provas coletadas durante a investigação.
Entretanto, especialistas consultados pela Folha possuem opiniões divergentes sobre o possível comprometimento das provas caso a delação seja anulada.
Para o advogado criminalista Fabrízio Feliciano, especialista em direito penal, o áudio em que Cid menciona ter sido coagido pela PF não afetaria a validade das informações que já forneceu, desde que tenham sido encontrados elementos que as corroborem.
No entanto, se for comprovado que Cid mentiu em algum ponto não corroborado por provas, ele poderia perder os benefícios da delação, embora as informações fornecidas ainda fossem utilizadas nas investigações.
Arthur Prado, advogado criminalista e mestrando em ciências políticas na Universidade de Pisa, na Itália, sugere que, em caso de anulação da delação, as provas apresentadas por Cid contra ele mesmo seriam proibidas, mas aquelas que implicam terceiros ainda seriam válidas.
Por outro lado, Ricardo Yamin, advogado criminalista e professor de direito constitucional na PUC-SP, argumenta que é necessário iniciar uma investigação para determinar se houve coação. Se ficar provado que houve coação, as provas seriam consideradas ilícitas. Em caso de rescisão da delação devido a uma violação do acordo por parte de Cid, as provas continuariam válidas, mas o militar poderia perder os benefícios da colaboração.
Carolina Carvalho de Oliveira, advogada criminalista especializada em lei anticrime, concorda que se a delação for anulada por conta de uma coação comprovada, nada dela poderá ser utilizado. Se a colaboração não for anulada, mas rescindida por outros motivos, ainda seria possível tentar invalidar as provas derivadas dela.
O acordo de colaboração premiada é um pacto entre o investigador e o investigado, no qual o segundo se compromete a cooperar com a investigação em troca de benefícios negociados, como redução da pena. Segundo Prado, qualquer uma das partes pode solicitar a rescisão do acordo se houver violação do compromisso. No caso de Cid, a decisão de rescindir o acordo caberia a Alexandre de Moraes, ministro do STF relator do caso.
Apesar de críticas no passado, os especialistas concordam que o instituto da delação premiada foi aprimorado desde então e é amplamente aceito no Brasil. Citam como um avanço significativo a lei anticrime, que exigiu que a delação seja corroborada por provas e não seja baseada apenas no relato do delator.
“Atualmente, há maior segurança de que a colaboração premiada está sendo feita voluntariamente e que a polícia está efetivamente buscando elementos de prova concretos que corroborem a delação”, afirma Prado.
Créditos: Folha de S. Paulo.